Se, nas cidades médias, a praça vai perdendo o caráter simbólico, nas pequenas ainda é possível topar com praças vivas, com gente de dia e de noite, encontrando-se, conversando, indo a feirinhas e festas juninas.
Pois fiz uma listinha com praças especiais. Quem sabe possa inspirar alguém a planejar uma parada quando voltarem as viagens. Comecei com cidades perto de São Paulo, fui indo, fui indo e percebi que estava a mil quilômetros de distância. Parei aí. É longe, admito, mas dá para ir de carro em dois dias e muita gente não está pensando em pegar avião tão cedo.
Há centenas de praças lindas nas cidades do interior e do litoral e cada um vai ter suas preferidas. Eu escolhi aquelas que têm algo que me parece essencial nas praças: elas atraem as pessoas e dão vontade de ficar mais tempo.
São Luiz do Paraitinga, São Paulo
10.400 habitantes
Praça Dr. Oswaldo Cruz
A cidade que ferve no carnaval tem na entressafra uma calma deliciosa. Na praça, tem até ensaio de música. Ao invés dos milhares de visitantes, vi homens conversando, um casal que se beijava e uma mãe que amamentava a filha, no final de tarde. A marchinha tocada em volume baixo parecia estimular a conversa dos homens, abençoar o beijo do casal e acalentar a menina que mamava.
São Francisco Xavier, São Paulo
3.800 habitantes
Praça Con. Antonio Manzi/Praça Central
A praça, na verdade, são duas, conectadas. Uma tem jardim, igreja, bancos. A outra tem uma quadra de esportes. Na primeira, pessoas mais velhas andam e taxistas conversam. Na segunda, impera a gritaria dos meninos e meninas que jogam bola. Ao redor delas, um bar, uma padaria, uma pousada. Tudo calmo, como convém a uma das cidades mais agradáveis da Mantiqueira.
Passa Quatro, M. Gerais
16.300 habitantes
Praça Jardim Júlio Regnier
No caminho sinuoso da serra entre S.Paulo e Minas, Passa Quatro repousa, tranquila. Na praça, os jardins têm canteiros meticulosamente aparados, árvores e flores. Mães e avós sentam nos bancos limpos, olhando as crianças que correm. No outro canto, adolescentes encontram-se e trocam olhares, enquanto os amigos se encostam, riem, e fazem troça dos casais.
Tibagi, Paraná
19.300 habitantes
Praça Edmundo Mercer
A cidade, pertinho do maravilhoso canion do Guartelá, já foi chamada de a mais charmosa do Brasil por um guia de viagens, o que talvez seja um certo exagero. Mas, a praça central tem seu charme. Na cidade de ruas planejadas, toda quadradinha, a praça oferece tudo aquilo que as praças do nosso inconsciente coletivo pedem: canteiros, fonte luminosa, árvores, bancos, segurança e, claro, a presença da Igreja da Matriz. A praça é grande, de noite sobra espaço para os adolescentes, que curiosamente se concentram nas bordas, de frente para o trailer de hamburguer, com os carros de portas abertas e o som ligado. Alto, porque afinal, nenhum lugar é perfeito.
Rio Negro, Paraná
34 mil habitantes
Praça João Pessoa
A praça em Rio Negro é tão boa que, além dos habitantes locais, atrai também os da cidade vizinha Mafra, atravessando o rio, já em Santa Catarina. Lá tem sombra, sorvete, gramado, espaço, gente, música, choro, namoro. Gente jovem fica de um lado da praça. Do outro, famílias trazem suas cadeiras de praia (cadeiras de praça?) e se instalam, tomando mate e olhando o movimento. O pessoal disse que de noite a ‘barra fica mais pesada’, mas de dia, é uma maravilha.
Bom Jesus, Rio Grande do Sul
11.400 habitantes
Praça Rio Branco
A praça de Bom Jesus foi uma surpresa. De passagem pela cidade, víamos as rus vazias e nos perguntávamos onde estava as pessoas. Ao chegar na praça, tudo se esclareceu. Todo mundo da cidade estava lá. A menina com sua bicicleta, homens conversando, casais desconfiados, tudo à sombra dessas árvores maravilhosas.
Ilhabela, São Paulo
32 mil habitantes
Praça Centro Ilhabela
De um lado, o mar; de outro, uma igrejinha e um museu com a história da cidade. Na praça, sombras de árvores para fugir do sol, bancos para sentar, fontes iluminadas. O que mais alguém precisa para ficar horas não fazendo nada? Ver gente, claro. E as pessoas vem chegando, descendo do ônibus que vem da balsa, tomando sorvete, sentindo a brisa boa de final de tarde após um dia ensolarado.
Mariana, Minas Gerais
60 mil habitantes
Praça Gomes Freire
Ao contrário de sua vizinha Ouro Preto, Mariana, a primeira cidade mineira, tem um trecho de urbanização planejado, muito regular. Ali, fica uma das praças mais simpáticas que eu já vi. Numa mistura de paisagismo francês com o cenário colonial, fiquei assistindo horas ao movimento das pessoas que passam, buscam crianças na escola, sentam, contemplam e vão tocar suas vidas.
Goiás Velho, Goiás
23 mil habitantes
Praça do Coreto
Fiquei uns dias em Goiás Velho, que os goianos chamam mesmo é de Goiás, o que me parecia uma confusão, até que me lembrei de São Paulo, a cidade, que tem o mesmo nome que o estado, então, me acostumei. A cidade é uma maravilha. A exploração do ouro começou um pouco depois das cidades de Minas Gerais, e, se o esplendor não é o mesmo, a singeleza é comovente.
De dia, a praça oferece sombra. De noite, um agito bom, que mistura o turista e o local, espalhados pelas mesas dos bares. Quase todos tocam música sertaneja, mas logo em frente ao coreto, tem uma portinha de onde vem o som de Raul Seixas, como a marcar território e a lembrar que o Brasil é mesmo a terra do sincretismo cultural.
Parati, Rio de Janeiro
36 mil habitantes
Praça da Matriz
Na praça inspirada no passeio público do Rio de Janeiro, a gente sente o peso do passado e de brinde a presença evocada do mar, aquela umidade boa que traz um cheiro de sal e de festa. E ainda tem o pessoal que joga vôlei do lado da igreja, a cacofonia multilíngue dos turistas embasbacados e o melhor cuscuz — aquele doce, no o paulista, feito de tapioca, coco e leite condensado — desde os tempos coloniais.
Pois é. Eram 10, mas lembrei de mais uma, Tiradentes, que não poderia ficar de fora. Então, agora são 11 as pracinhas da minha lista. Vou postar rapidinho antes que virem 50, mas pensando bem, por que não?
Tiradentes, Minas Gerais
8 mil habitantes
Largo das Forras
Em Tiradentes, quando os ônibus da CVC vão embora, a pracinha se despede dos turistas e acolhe os moradores aos finais de tarde. Crianças andam de bicicleta nas pedras velhíssimas e os jovens conversam alheios ao passado de uma das cidadezinhas mais gostosas do Brasil, que conseguiu sobreviver com dignidade e beleza aos séculos. Desafio alguém a não ficar nostálgico naquela hora em que a noite vem chegando, mas o dia ainda não quer ir embora.
Leia também: Com menos barulho, dá para ouvir o sino da igreja, sonhar com pessoas na pracinha, coreto e fonte luminosa
***
Mauro Calliari é administrador de empresas, mestre em urbanismo e consultor organizacional. Artigo publicado originalmente no seu blog Caminhadas Urbanas.