A Batata Precisa de Você

“Todas as sextas- feiras, a partir das 18h, chegam ao Largo de Pinheiros pessoas carregando elementos que darão o conforto básico àquele espaço: são guarda-sóis, cadeiras de praia, almofadas, cangas, redes e tendas.”

Conheça a experiência do coletivo A Batata Precisa De Você, que vem realizando uma série de micro intervenções no Largo da Batata, no bairro de Pinheiros em São Paulo, com a intenção de reenvolver as pessoas na transformação desse espaço público.

“A vida urbana pressupõe encontros, confrontos das diferenças, conhecimentos e reconhecimentos recíprocos” escreveu o sociólogo francês Henri Léfèbvre no livro O direito à cidade.

Embora a maior parte da população mundial viva geograficamente próxima nos grandes centros urbanos, os encontros com o diferente de que fala Léfèbvre, o reconhecimento da alteridade, é cada vez mais restrito: as praças como a clareira para o respiro, a rua como o espaço da jornada para o desconhecido, são substituídas por ambientes comerciais, nos quais para se conviver é necessário também consumir sob suas luzes frias. Nessa forma de organização observamos uma cidade na qual os interesses individuais se sobrepõem aos coletivos.

Em São Paulo, a construção formal do território urbano frequentemente baseia-se em megaprojetos, distantes em sua concepção do interesse coletivo. Muitas vezes, embora elaborados por escritórios de arquitetura renomados, pecam ao desconhecer as dinâmicas desses espaços públicos e as expectativas e necessidades de seus frequentadores e moradores. Assim, construídos de cima para baixo, sem familiaridade com o usuário final, frequentemente o resultado não agrada quem mais utilizaria o local da construção ou reforma. Nesses casos, o que resta à população fazer?

A resposta pode estar na organização e articulação da sociedade civil e do interesse coletivo. Aos poucos, vemos despontar na cidade iniciativas que propõem transformar a dinâmica urbana e repensar a forma como construímos e utilizamos os espaços públicos.

Essas iniciativas valorizam a qualidade da ocupação dos ambientes pela presença humana e atividades temporárias, construindo uma narrativa coletiva sobre e no território e incentivando a apropriação da cidade pelo cidadão.

O coletivo A Batata Precisa de Você acredita que para termos uma cidade mais humana, é necessário articular as pessoas para que elas vejam o espaço público como uma oportunidade para a intervenção e a reinvenção. 

 

Como funciona

 

Todas as sextas- feiras, a partir das 18h, chegam ao Largo de Pinheiros pessoas carregando elementos que darão o conforto básico àquele espaço: são guarda-sóis, cadeiras de praia, almofadas, cangas, redes e tendas. Se antes o grupo causava estranhamento entre os comerciantes e transeuntes, hoje estes já sabem que aquele pessoal sentado nas cadeiras de praia na praça fazem parte da Batata, e vivem inventando novos usos para aquele vasto – e antes vazio – espaço.

A cada semana acontecem atividades diferentes: em sua existência, a Batata promoveu jogos de rua como peladas, amarelinha, taco, frisbee e peteca, sessões de ioga e alongamento, oficinas de bombas de sementes, de crochê, de leitura, karaokê, apresentações de música, cinema, debates etc. A agenda é aberta e tudo é organizado colaborativamente. Toda sexta até pelo menos meia-noite tem agito no Largo da Batata.

Os encontros são em grande parte organizados online, em um grupo aberto no Facebook. Para envolver quem mora e frequenta as proximidades do Largo, a regularidade das ocupações tem se mostrado muito importante, somando cada vez mais pessoas ao movimento e não restringindo a organização ao virtual. Embora a internet ajude muito na mobilização, o engajamento e o ativismo se dão de forma presencial, nos encontros, conhecimentos e reconhecimentos recíprocos tão valorizados por Léfèbvre.

Após meses de atividades, o Largo está visivelmente mais movimentado e sendo utilizado para atrações culturais e de lazer em outros dias da semana e horários, por outros grupos de pessoas. Não é mais só na sexta-feira que a Batata está se tornando um centro cultural público, construído coletivamente e auto organizado.

A Batata Precisa de Você propõe também um diálogo com os gestores, se posicionando como um movimento de cidadãos ativos que participam da vida pública da cidade. Não há necessidade de se escolher entre o formal ou o informal, já que juntos se potencializam. Para isso, documentamos as nossas experiências, mapeamos nossa evolução e convidamos o poder público a participar do processo, assim como procuramos participar do dele, acompanhando suas etapas, pedindo e analisando os resultados. Nos contatos até agora travados, a troca tem mostrado uma perspectiva promissora, e esperamos que no futuro a Batata seja um laboratório de experimentos urbanos que possa nortear a criação de políticas públicas e de ações semelhantes em outros locais.

Para que isso seja possível, A Batata Precisa de Você não conta apenas com pessoas animadas e ações improvisadas. O grupo segue alguns princípios básicos, frutos de pesquisa na área do urbanismo tático e de muitos testes e aprimoramentos. A seguir, iremos explorar os pilares que baseiam o trabalho do grupo. 

A Batata como tática urbana

 

Um dos principais conceitos por trás da Batata é o urbanismo tático, nome dado a movimentos que utilizam projetos rápidos, compactos ou temporários para demonstrar a possibilidade e o potencial de mudanças em larga escala e a longo prazo no espaço urbano.

Essas micro-intervenções possuem forte caráter político, uma vez que expõem carências de espaços públicos e demandas da população que vive ou passa por esses locais. As micro-intervenções são também propositivas, demonstrando formas de ação imediatas com impacto direto no ambiente construído. Em todo o mundo, intervenções pontuais organizadas em espaços urbanos por práticas coletivas oferecem uma reflexão crítica sobre o papel do arquiteto ou do urbanista, pois abrem espaço para que a população construa sua cidade, sem a necessidade de projetos, plantas ou extensos estudos prévios. Essas ações, de rápida articulação e execução, mudam o olhar sobre os problemas urbanos, utilizam recursos locais e favorecem o experimento. De forma simples e com pouco dinheiro, as intervenções sugerem usos alternativos, e com frequência inesperados, nos quais a participação do usuário funciona como um teste do potencial do espaço.

Ativação cultural

 

Para que tais táticas urbanas não sejam apenas ações isoladas de um indivíduo ou grupo, mas sim tornem-se um movimento autossustentável e que mobilize a população do entorno, é necessário modificar a cultura de uso do espaço.

O primeiro passo para se iniciar uma intervenção urbana bem-sucedida é a realização de um diagnóstico sobre o local. Esse estudo não deve ser visto como algo apenas técnico e alheio a quem mora e circula no território, mas como um processo participativo e colaborativo, no qual é pensado o que seria interessante para o lugar, e do que as pessoas sentem falta lá.

Muitos dos pontos indicados pelos frequentadores a serem melhorados no espaço público não são infra-estruturais, mas sim culturais, ou seja, depende do engajamento dos para que a realidade seja transformada. Entretanto, o cuidado e apropriação do espaço não são adquiridos instantaneamente: a esfera pública é comumente sentida como alheia, já que realizar atividades fora de ambientes privados não é comum na cidade de São Paulo.

Por isso, é preciso insistir no fomento a atividades culturais, esportivas e de lazer regulares no espaço público. Assim, aos poucos será construída uma cultura de interação entre cidadão e cidade, com a criação de vínculos afetivos e efetivos com o território, gerando respeito e cuidado com o local.

 

Largo da Batata | A batata precisa de você, São Paulo

 

Arquitetura temporária

 

A cultura de uso do espaço não é o único pré-requisito para uma ocupação dar certo. A existência de móveis em ambientes públicos é essencial para que um lugar torne-se confortável e acolhedor, e não vire apenas um local de passagem. No entanto, São Paulo, ainda aprendiz na ocupação do espaço público, é deficitário em mobiliário urbano, seja em qualidade seja em quantidade. No Largo da Batata, isso ficou evidente após o término da tão esperada reurbanização: não havia bancos para se sentar, descansar, conversar, namorar, esperar. O sol a pino no meio da praça deserta, sem bancos, sem árvores, sem sombras.

Em muitas cidades, a falta de mobiliário urbano não é aleatória, mas pensada justamente para não atrair ocupantes “indesejados”. Assim, a ausência de bancos afastaria moradores de rua, espaços sem sombras inibiriam ambulantes e assim por diante.

Seguindo essa lógica, sem móveis, mantendo seu traço de inospitalidade, os locais permaneceriam vazios, limpos, assépticos, sem oferecer riscos ou trabalho para as autoridades. Ao levar para o Largo cadeiras de praia e guarda -sóis em um primeiro momento; ao fabricar bancos e mesas na sequência, a Batata se coloca como uma alternativa ao ambiente estéril: conviver com o mendigo, com a comunidade dos imigrantes, com as senhorinhas do bairro, com o vendedor de milho, com os que saem apressados do metrô, com os estudantes, com curiosos. Todo mundo junto, todo mundo misturado.

Acreditamos que construir um espaço com mobiliário urbano de qualidade oferece estrutura para que as pessoas exerçam atividades fora de suas casas, como ler, praticar esportes, descansar e encontrar com amigos. Assim, o emprego de bons mobiliários urbanos resulta em mais segurança, pois a partir do momento em que um uso para o espaço é criado e sua finalidade atingida, há um fluxo constante de pessoas e as praças, ruas e arredores terão os seus “vigilantes” em forma de vivacidade no espaço público.

Passamos a entender que o espaço público deve ser zelado, simplesmente porque nos pertence, porque ocupamos. Por isso, uma das estratégias adotadas pelo coletivo A Batata Precisa de Você foi o emprego da arquitetura temporária com a criação de protótipos de mobiliários urbanos, como bancos e mesas de madeira, feitos de pallets, guarda –sóis criados com telas.

Ao prototipar mobiliário urbano, entendemos que se trata de uma produção rápida, coletiva e de baixo custo. Com isso, esboça -se uma astuta estratégia para entender quais são os usos e dinâmicas do lugar, pois a resposta da adesão vem de maneira quase imediata, deixando claro se o mobiliário atendeu aos desejos da comunidade que usa o espaço. Essa prototipagem na Batata se dá de forma colaborativa e horizontal, por meio de oficinas gratuitas nas quais todos são bem-vindos. Esses momentos de criação e discussão com a comunidade são uma importante ferramenta para incentivar a participação e o zelo com o espaço, afinal, quando você fabrica um Batatabanco o cuidado com o seu uso cotidiano será dobrado. E mesmo as pessoas que não atuam diretamente na construção do mobiliário podem ficar curiosos e interessados com as novas peças criadas, e aos poucos, passam a notar que um espaço, antes vazio, possui potencial para ser ocupado e preservado.

Mas como bons móveis prototipados que são, o zelo não pode ser extremo: a missão com que vieram ao mundo é para que sejam modificados, recodificados, adaptados, remixados às necessidades e demandas que se transformam constantemente. Para que os habitantes possam agir de forma mais livre, a Batata procura planejar sem excluir apropriações espontâneas, desenhar permitindo a participação, construir sem criar a condição de estanque, permitir que a cidade se transforme e que os habitantes possam adaptá-la continuamente ao mundo em que vivem, ao espaço que ocupam.

Esse tipo de arquitetura temporária serve como um teste eficaz da recepção dos móveis pelas pessoas que circulam no local. Se ninguém quer sentar em um banco, por exemplo, talvez ele não seja confortável e precise ser repensado antes de ser construído com material de maior durabilidade. A avaliação resultante da arquitetura temporária não se limita ao mobiliário urbano. Instalações efêmeras mostram diferentes possibilidades de uso de um local. Em sua atuação 18 meses após a reurbanização do Largo, A Batata Precisa de Você já possui um bom mapeamento de uso do lugar, que pode ser empregado em etapas futuras, como a instalação de mobiliários permanentes e recepção de outros projetos temporários.

A própria elaboração desta publicação é também resultado temporário de uma experiência de ativação de um espaço que ainda está em movimento, em processo. Aqui não há fórmulas definitivas, chavões de sucesso ou garantia de êxito. Com ela, procuramos incentivar que outras pessoas e grupos mapeiem seus bairros, abram espaço para conversas com associações de bairro, prefeituras, governos e outras instância da política pública, hackeando a nossa experiência e tornando-a própria, específica, local e rica.

O processo: análise, diagnóstico e direcionamentos

 

Em 18 meses de ocupação do Largo da Batata, foram muitas as conclusões e os aprendizados. Após 74 encontros, a Batata recebeu todo tipo de atividades: rodas de discussão, fabricação de mobiliário urbano e oficinas de artes, debates com presenças relevantes como o secretário de cultura Nabil Bonduki, a arquiteta Raquel Rolnik, o crítico e curador Guilherme Wisnik, conversas com outros grupos que lutam pela apropriação do espaço público na cidade e a vitória de sermos selecionados pelo edital Redes e Ruas. Hoje, podemos dizer que o Largo da Batata é um novo território, completamente diferente daquele que a Operação Faria Lima entregou no início de 2014. O que era um não-lugar, apenas um grande vazio usado como espaço de passagem, agora, verdadeiramente, é um lugar de afeto, do qual as pessoas se passaram, gradualmente, a encarar como público de fato.

Nossa experiência mostrou de forma clara que tanto o poder público quanto a sociedade civil ainda têm muito o que aprender quando o assunto é construir juntos, atuar em parceria. A sociedade civil não vê urgência em uma gestão participativa, mas sim em uma gestão interativa, portadora de uma nova política. No entanto, para que novos processos sejam testados, como é o caso da ideia de uma gestão compartilhada e interativa, e sejam investigados, é de absoluta necessidade a existência de múltiplos territórios-piloto na cidade.

O que a Batata ainda quer

 

Queremos um espaço de uso público e de qualidade urbana, de vitalidade e identificação cultural. Queremos ser reconhecidxs como um espaço experimental metropolitano de exercício de autonomia cidadã, com regras próprias, com portarias que legitimem seu caráter de terreno de teste.

Neste momento, por exemplo, buscamos colocar em vigor a ideia do “Batatalab”, um método para que a Batata se consolide como laboratório metropolitano de mobiliário urbano e, junto ao poder público, definir uma metodologia que transforme os mobiliários experimentais – de caráter temporário prototipados pelos Batateiros, testados e aprovados pela comunidade – em permanentes. A partir deste trabalho, estudos podem ser desenvolvidos para mobiliários em outro contexto, convertido em uma aplicação de larga escala, replicado para outros espaços da cidade. Com isso, esperamos que novas experiências possam ser realizadas com o uso de diferentes metodologias, e, transformadas em novos casos bem sucedidos, transformem-se em novas políticas públicas.

Pensar na Batata é pensar em novos métodos de produzir o espaço público da cidade. Ferramentas, ações e colaboração fomentam e abrem caminhos para um novo pensar urbano. Replicabilidade de táticas, conceitos e ferramentas são apenas um dos diversos aspectos que este lugar possui. A Batata representa união, uma alternativa à segregação no espaço disputado da metrópole contemporânea, uma nova forma de encarar a cidade e uma certeza de que sim, é possível construí-la a várias mãos.

Juliana Russo (texto e fotos) é iIlustradora, e autora do livro ‘São Paulo Infinita’. http://jurusso.tumblr.com

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