Conversando ontem com um morador da Vila Nova Cachoeirinha, extrema zona norte de São Paulo, ele me disse que está aprendendo agora sobre as ruas abertas. ” Eu não sabia que isso podia, nunca tinha pensado nessa possibilidade, entende?”
Um outro morador colocou uma piscina na porta da sua casa e passou o dia se divertindo com seus filhos. ”Comprei essa piscina quando vi que todo domingo não passaria carros aqui”. Algo inimaginável há alguns meses. ” Nós não temos clube nem áreas de lazer aqui no bairro, então a gente se diverte assim e não precisamos gastar nada” – completou outra moradora.
O arquiteto Jan Gehl, responsável pela transformação de Copenhagen numa cidade amigável as bicicletas e aos pedestres – e cujo seu escritório fez uma consultoria a prefeitura de São Paulo no início da implantação das ciclovias – diz uma frase interessante à jornalista Natália Garcia neste vídeo gravado pelo Cidade para Pessoas: ” Ninguém pede por algo que não conheça, se você perguntar o que uma criança quer ganhar no Natal, ela fará uma lista de coisas que ela conheça. E sem conhecermos as possibilidades, não sabemos o quão incríveis as cidades podem ser “. Toda vez que falo sobre isso ou vejo esse vídeo, fico imaginando o rios Pinheiros e Tietê limpos.
Mas quando nós começamos a andar de bicicleta, começamos a questionar esse sistema. Por isso estamos acostumados a ouvir e a dizer frases como ” bicicleta , o segredo que vai mudar o mundo”. A bicicleta me fez repensar o meu tempo, o meu espaço e meu consumo. Parece que tudo o que eu preciso ter, tem que caber ali. Então, na verdade, não precisamos ter muito, certo?
Gustavo Tanaka, pensador e Coaching, tem alguns textos sobre essa mudança de paradigma que valem a leitura.
Tudo isso para dizer que a mudança está acontecendo. E talvez ela seja mais rápida do que imaginamos. Houve tanta resistência às ciclovias, mas houve ao mesmo tempo uma adesão absurda também. Quando o Ministério Público tentou barrar suas obras, em março de 2015, mais de 7.000 pessoas encheram a Paulista de bicicletas, numa demonstração de que aquilo até então desconhecido, era aceito pela população. Assim como a Paulista e outras ruas abertas ao lazer aos domingos.
E tudo isso também pra contar uma história pessoal: em setembro recebi uma mensagem da minha irmã perguntando sobre dicas para a segurança dela, que tinha começado a ir de bicicleta para o trabalho. Fiquei tão perplexa que publiquei ( com a autorização dela) o diálogo aqui. O título era: “Tragam meus sais. Minha irmã começou a ir para o trabalho de bicicleta!”
Perplexa porque minha irmã sempre me achou meio hippie, meio louca e eu sempre achei ela uma patricinha. Mas convivemos como irmãs, ora brigando, ora nos amando!
Logo depois vi que ela compartilhou um texto do “Vá de Bike”. Pensei: vixe, ela não desistiu, está mesmo indo pro trabalho de bicicleta. Depois vi ela comentando no grupo da Bicicletada!!!!! E neste domingo ela publicou três fotos com a seguinte legenda:
Se a minha irmã já se converteu, há esperança. Tragam meus sais e meus açúcares desta vez! O mundo está mesmo mudando!!!! 🙂 E nas festas de família, parece que ganhei uma aliada. Ufa.
***
Rachel Schein é fotógrafa, jornalista e ciclo-ativista. Edita e mantém o seu blog Página da Rachel.