A ciclofaixa da avenida Rebouças

Quem passou pela avenida nos últimos dias já notou as novas faixas, que começaram a ser pintadas no lado direito das pistas, nos dois sentidos.  A Prefeitura informa que a obra já entrou na etapa de sinalização e recebe agora a pintura da linha de bordo, nos seus 3,4 quilômetros de extensão.

Avenida Reboucas em 1939. Ao fundo a várzea do Rio Pinheiros. Foto: J.B.Duarte / Pinterest.

A nova ciclofaixa é uma intervenção simbólica para a cidade. Afinal, a avenida Rebouças foi construída sobre um dos caminhos que compunham o Peabiru, a rede de caminhos originais indígenas. No século XX, foi asfaltada e ampliada como parte do Plano de Avenidas e aos poucos, passou a ser a ligação mais importante entre o centro, os bairros e depois os municípios da região oeste.

Hoje, é uma das avenidas mais movimentadas de São Paulo, e palco de conflitos urbanos em todas as partes e em todos os horários.
Congestionamento de ônibus, taxis, automóveis e motos na Avenida Rebouças. Foto: Pedro Craveiro.

Os conflitos

  • A fileira de motos circulando entre as faixas dos carros, buzinando incessantemente para anunciar sua passagem e abrir caminho.
  • Os taxis que entram e saem das faixas dos ônibus, que em alguns horários já está congestionada.
  • Os rios de automóveis que circulam entre o centro e a zona oeste da região metropolitana.
  • Os casarões que sobraram de outras épocas e que viraram lojas de roupas para alugar, imobiliárias ou comitês eleitorais.
  • Os novos prédios gigantescos (há pelo menos dez em andamento na via) estimulados pelo Plano Diretor, com apartamentos menores, próximos das estações de metrô e dos pontos de ônibus, que tomam conta da paisagem mas que não criam urbanidade nas calçadas.
  • As calçadas inóspitas não necessariamente estreitas, mas vazias pela simples razão de que ninguém gosta de andar ao lado de um trânsito tão pesado.
  • As travessias impossíveis para os pedestres, que esperam um minuto e meio pela sua chance de chegar ao outro lado.

Com isso tudo, é espantoso ver a avenida se abrindo para novos usos, com o alento da ciclofaixa ter sido bastante discutida entre o poder público e a sociedade, na Câmara Temática de Bicicletas, um órgão do Conselho Municipal de Trânsito e Transporte.

Um passeio pela nova ciclofaixa

Motociclista e criança trafegam na Avenida Rebouças. Foto: Sasha Hart.

Mesmo sem estar pronta ainda, dá para ter uma ideia do desafio de construir uma ciclofaixa nesse pedaço da cidade. Conversei com Sasha Hart, da Câmera Temática da Bicicleta, do CMTT. Ele foi fazer um passeio com a família lá pela ciclovia ainda incompleta  mas já deu para ver que a largura da faixa, de no mínimo 1,40 m, parece suficiente, apesar do desnível perto das sarjetas e dos obstáculos que surgem como tampas de bueiro e buracos.

A sinalização ainda não pôde ser testada, mas a Prefeitura informa que a ciclofaixa só vai ser entregue com  olhos de gato, tachões, segregadores e sinalização horizontal e vertical.  Segundo a Secretaria de Mobilidade e Transporte, a via está com faixas informativas avisando motoristas sobre as obras na ciclofaixa e a  Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) está monitorando o trânsito.

O contraste entre as velocidades dos ciclistas e do trânsito pode ser uma questão importante. O limite da via é de 50 km/hora, quase o dobro do que um ciclista normal vai andar. Na subida, a velocidade dos ciclistas vai ser menor e o contraste maior.

Sasha acredita que a ciclovia pode atrair pessoas em movimento e também cicloentregadores que usavam as ruas paralelas, e ainda gente que começou a usar a bicicleta por causa da pandemia. Ele até acha que a conexão vai ser mais útil ainda quando (e se) transpuser o rio Pinheiros, ligando o eixo da Rebouças/Eusébio Matoso com a Eliseu de Almeida e ciclovia da Marginal Pinheiros.

A ciclofaixa também representa um passo importante na criação de uma rede de ciclovias (segundo a Prefeitura, serão mais de 670 km de vias cicláveis ao final do ano), conectando Consolação, Paulista e Faria Lima.

Fricção e conflito

Mesmo sem estar pronta ainda, dá para ter uma ideia do desafio de construir uma ciclofaixa nesse pedaço da cidade. Foto: Sasha Hart.

Qualquer mudança no uso do espaço das ruas é motivo de conflito em qualquer cidade e São Paulo não é exceção.

Já é possível prever que vai haver gente reclamando da ciclofaixa, mesmo que não tenha havido mudança no número de faixas para os carros (um pouco mais estreitas, mas dentro das normas do Contran, o Conselho de Trânsito).

O importante agora é acompanhar a segurança dos ciclistas para não haver acidentes, um risco não desprezível com a configuração tão perto do trânsito.

Pessoas como eu que andam de bicicleta apenas em ciclovias demarcadas e muito seguras vão precisar de tempo para usar a novidade. Com a ciclofaixa à direita, junto da calçada, a atenção vai ter que ser redobrada (pelos ciclistas e principalmente pelos motoristas) pois além dos carros na via, ainda há a saída de carros das lojas ao longo da avenida.

Ciclofaixa da Av. Rebouças, em fase de pintura e sinalização. Foto: Sasha Hart

Com tudo isso, ter um sistema seguro e conectado para as bicicletas é um convite para as pessoas usarem. A Avenida Faria Lima, que tem uma ciclovia diferente, segregada no canteiro central e portanto mais segura, triplicou o movimento em menos de 5 anos e hoje dá para ver no placar eletrônico que há dias com mais de 8 mil pessoas passando num sentido.

Torço pelo bom e seguro funcionamento da ciclofaixa. A bicicleta aproxima as pessoas da cidade e é uma alternativa barata e sustentável de mobilidade para distâncias médias. Que a sinalização seja ótima, que a proteção dos tachões funcione, que os motoristas e motociclistas reaprendam a dirigir com cuidado e respeitem totalmente as faixas até que, quem sabe um dia, sejam estimulados a deixar o carro em casa e pegar o metrô, o ônibus ou a ciclofaixa sem ninguém achar isso estranho.

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Mauro Calliari é administrador de empresas, mestre em urbanismo e consultor organizacional. Artigo publicado originalmente no seu blog Caminhadas Urbanas.

 

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