A cidade que dá certo

Um dos passatempos prediletos do paulistano, seja adotado ou nascido em São Paulo, é falar mal da cidade. Trânsito, qualidade do ar, violência, falta de respeito e tolerância, escassez de água… há um horizonte sem fim de problemas, que nos coloca no topo do ranking (global) de transtornos ansiosos na população e gera um profundo sentimento de “ah, se eu pudesse saía daqui”. A última pesquisa IRBEM, da Rede Nossa São Paulo, aponta que nada menos do que 57% dos paulistanos deixariam a cidade caso tivessem a oportunidade de fazê-lo. Um número desastroso.

O resultado dessa trágica realidade, ampliado pelos programas que respingam sangue na TV e pela inevitável repercussão do caos nas redes sociais, é a falta de amor e carinho com a cidade e, consequentemente, do cuidado e do pertencimento de que ela tanto carece. Nos tornamos assim terra de ninguém, lugar de passagem, meramente utilitário, onde o interesse coletivo raras vezes prevalece sobre os interesses particulares (para não falar dos escusos). 

Mas nem tudo está perdido. Assim como as ervas daninhas que resistem bravamente à dureza do asfalto no Minhocão, vem tomando forma na cidade um movimento de reação a esse quadro desolador. E a boa notícia é que esse movimento vem ganhando cada vez mais força, especialmente nos últimos anos, numa escala que certamente surpreenderia até os mais céticos quanto à capacidade de nos tornarmos um lugar civilizado e humano para viver.
 
Não estou falando dos patrimônios que sempre tivemos em São Paulo: a inovação, a cultura, as fronteiras do conhecimento, os grandes eventos, as decisões econômicas, a invejável gastronomia, entre tantos outros pontos positivos. Estou falando de um profundo movimento de transformação urbana. Que veio para ficar. 

Ele é representado por centenas (se não milhares, uma vez que ainda não há estatística confiável relacionada ao tema) de coletivos, grupos e pessoas, a sociedade civil em seu mais puro estado, que estão botando a mão na massa para melhorar a cidade, ocupando as ruas, revitalizando praças e espaços públicos, lutando por áreas verdes, descobrindo rios e nascentes encobertos pelo asfalto, usando a tecnologia em prol das mais diversas causas, promovendo meios saudáveis de vida, priorizando os produtos orgânicos, estimulando a economia colaborativa e usando, acima de tudo, a criatividade para solucionar – ou ao menos amenizar – os quase incontáveis problemas urbanos de uma megalópole como São Paulo.

É um movimento que tem características marcantes. Entre elas, a de ser majoritariamente jovem (possivelmente pela facilidade dessa geração em trabalhar e empreender em rede e de forma colaborativa), a “geração protótipo” que primeiro realiza e depois pensa no resto; a de não estar restrito a fatores de renda ou educação, movimentando tanto a “quebrada” quanto os chamados bairros “nobres” da cidade; e, acima de tudo, de agir e realizar projetos e ações com cara de festa, de diversão, bem diferente do ativismo raivoso ou penitente que caracterizam a geração anterior. 

Em meio à notável crise de representatividade que governos, empresas e até organizações do terceiro setor vêm enfrentando na sociedade, tal movimento aparece como um interessante antídoto para a descrença generalizada, seja pelo seu enorme poder de sedução e contágio, seja pelo potencial de impacto e transformação. É a São Paulo que está dando certo. E é disso que o Blog vai tratar.

***

André Palhano é jornalista e fundador da Virada Sustentável. Artigo publicado originariamente em seu blog no Estadão.
 

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