Por Erin Blackemore.
Em 1969, batidas policiais em bares gays na região de Manhattan, na cidade de Nova York, nos EUA, seguiam um padrão. Policiais invadiam o local, ameaçando e espancando funcionários e clientes do bar. Os clientes saíam para a rua e formavam filas para que a polícia pudesse prendê-los.
Mas não foi isso que aconteceu nas primeiras horas da manhã do dia 28 de junho de 1969, durante uma operação policial no bar Stonewall Inn. Clientes e curiosos reagiram — e a consequência foi uma confusão que durou dias e resultou em uma rebelião conhecida atualmente como a Revolta de Stonewall, um marco que ajudou a desencadear o movimento atual pelos direitos civis LGBTQ+.
Junho se tornou o Mês do Orgulho LGBTQ+, quando ocorrem desfiles e eventos para homenagear a história de Stonewall. O ano de 2023 marca o oitavo aniversário da resolução histórica, no dia 26 de junho de 2015, da Suprema Corte dos Estados Unidos, que garantiu o direito de casamento aos casais do mesmo sexo.
No entanto, antes de obter a garantia desses direitos, pessoas LGBTQ+ eram submetidas a sanções sociais e assédio legal devido à orientação sexual, criminalizada sob pretextos de religião e moralidade. Na década de 1960, a homossexualidade foi classificada clinicamente como um transtorno mental, e a maioria dos municípios dos Estados Unidos impunha leis discriminatórias que proibiam relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo e negavam direitos básicos a qualquer pessoa suspeita de ser homossexual. Embora alguns grupos que defendiam os direitos dos homossexuais protestassem publicamente contra esse tipo de tratamento, muitas pessoas LGBTQ+ mantinham suas vidas em segredo.
A cidade de Nova York, no entanto, era o lar de uma grande população LGBTQ+ e a vida noturna voltada ao público homossexual era agitada. Bares gays eram um dos raros lugares onde as pessoas revelavam sua orientação sexual. Em 1969, ativistas fizeram com que o órgão regulador de venda de bebidas alcoólicas do estado de Nova York revertesse a política contra a emissão de licenças para venda de bebidas em bares gays. Um dos motivos era o lucro. Os proprietários, muitos deles associados ao crime organizado, enxergaram nos bares gays uma oportunidade de negócios; eles também aprenderam a evitar batidas subornando os policiais.
Os negócios prosperaram, mas bares gays ainda eram considerados lugares perigosos para se reunir. Policiais monitoravam e prendiam homossexuais com regularidade; invadiam esses bares sob pretextos que variavam de “má conduta” a uma variedade de infrações menores relacionadas à licença para venda de bebidas alcoólicas.
O Stonewall Inn era sujo e praticamente ilegal. Localizado em Greenwich Village, que na época era a região mais frequentada pelos gays em Nova York, seus clientes estavam entre os membros mais marginalizados da comunidade LGBTQ+ — incluindo indivíduos menores de idade e que viviam nas ruas, pessoas negras e drag queens.
“O bar era mais do que um local para dançar, ou apenas um ponto de encontro para pessoas homossexuais”, escreveu Dick Leitsch, o primeiro jornalista homossexual a documentar os acontecimentos. “Seus clientes eram um grupo de pessoas que não eram bem-vindas ou não tinham dinheiro para frequentar outros locais de reunião social homossexual.”
Na noite da batida, a polícia pretendia seguir a operação normal de apreensão de bebidas e prisão de clientes. Mas, daquela vez, os clientes resistiram e a violência irrompeu à medida que os policiais tentavam acalmar a multidão. Em uma explosão espontânea de frustração, clientes e curiosos começaram a gritar e atirar objetos nos policiais.
Ao contar seu relato, o ativista Mark Segal relembrou ver um “circo de cores e luzes incríveis enquanto pessoas corriam. Apenas olhei para a porta e pensei comigo mesmo: ‘os afro-americanos podem lutar por seus direitos, os latinos podem lutar por seus direitos, as mulheres podem lutar por seus direitos, e quanto a nós?’”
Uma das pessoas que lutou por seus direitos foi Marsha P. Johnson, uma ativista transgênero negra que frequentava o bar e é considerada uma das líderes da rebelião. Embora algumas pessoas afirmem que Johnson “jogou o primeiro tijolo” na polícia, ela afirma que chegou ao bar quando a confusão já estava em plena atividade.
Há pouca concordância em relação aos acontecimentos daquela noite — exceto o fato de que os clientes entraram em confronto violento com a polícia. Reportagens de jornais, histórias orais e relatos são conflitantes. Jason Baumann, curador da coleção LGBTQ+ da Biblioteca Pública de Nova York, conta que os estudiosos ainda discutem “quantos dias durou a revolta, quem jogou o primeiro tijolo, a primeira garrafa e deu o primeiro soco”.
Independentemente de quem iniciou a revolta, a batida policial não ocorreu conforme planejado. Enquanto a violência irrompia do lado de fora do bar, a polícia recuou para dentro e se protegeu com barricadas. Manifestantes derrubaram as barricadas, trocaram golpes com a polícia e atearam fogo no bar. Os policiais demoraram horas para esvaziar as ruas. Na noite seguinte, milhares de pessoas foram até o Stonewall Inn para provocar a polícia. Confrontos eclodiram novamente naquela noite e mais algumas vezes nos dias seguintes.
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Artigo publicado originalmente no New York Times.