No episódio “Striking Vipers“, a cidade é o cenário mas o enredo não a torna protagonista; ao contrário, o drama dos dois homens que descobrem novas formas de relacionamento tem muito mais a ver com o mundo virtual do que com o mundo real. Mesmo assim, o interesse das pessoas se manteve por ver como São Paulo seria retratada e vários sites conseguiram identificar todas as 19 locações.
O interior do apartamento descoladíssimo de um dono de galeria descolado na Paulista serve de residência para Karl, o personagem mais cool.
E o Copan, tão esperado, irrompe imponente e pichado digitalmente, não como a cidade real e sim como mais uma arena virtual.
No caso desse episódio tão focado no escapismo digital dos personagens, talvez qualquer cidade pudesse ter servido de locação, mas o fato é que a multiplicidade de cenários e as opções tanto internas como externas mostram algumas características mais evidentes de São Paulo: a impressionante massa de concreto, a boa arquitetura ameaçada pelo progresso, a difícil relação entre o público e o privado, e a inacreditável diversidade de pessoas.
O interessante drama do encontro de dois homens no episódio de Black Mirror parece ficar menor diante da realidade ofuscante de São Paulo, em que a vida cotidiana da multidão de habitantes acontece em meio à (e apesar da) floresta de arranha-céus ou nos espaços semi-urbanizados das periferias.
Aqui, cada vez em que duas pessoas se encontram sem a intermediação de avatares digitais, na fila de um ônibus, numa mesa de bar, num escritório, temos a concretização de um pequeno milagre.
A cidade que tem a Parada do Orgulho LGBT e a Marcha para Jesus no mesmo fim de semana parece ser muito mais que o cenário de nossas vidas; ela é protagonista.
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Mauro Calliari é administrador de empresas, mestre em urbanismo e consultor organizacional. Artigo publicado originalmente no seu blog Caminhadas Urbanas.