As histórias cotidianas da cidade: caminhando até a Ilha dos Sapos

 
Está no ar um projeto que pretende registrar os pequenos movimentos da história cotidiana de São Paulo.

Ao contrário dos grandes eventos da história da cidade – os grandes comícios, a construção de um viaduto, um novo parque, um novo prefeito – o projeto coletou as oito mil histórias que as pessoas mandaram sobre o seu dia a dia e selecionou as 99 mais significativas.

Trata­-se de um daquelas idéias que só saem se conseguirem financiamento coletivo – o tal crowdfunding. Este é o endereço: https://www.facebook.com/vivaSPnoFace/

 
Tomara que consigam levar adianta a idéia e publicar as histórias, como fez o escritor americano Paul Auster com os relatos que recebia de ouvintes e lia em seu programa de rádio a partir de 1999, e que deu origem ao livro “Achei que meu pai fosse Deus (e outras histórias verdadeiras da vida americana)”.

Algumas delas são inspiradas por caminhadas pela cidade. Como essa, em que a gente acompanha a aventura do Oscar Munhoz, andando aos 8 anos de idade pela várzea do Tamanduateí, por lugares que hoje estão tomados por avenidas, rios canalizados e viadutos. E fica o mistério: afinal, o que será essa tal Ilha dos Sapos?

Escola na Ilha dos Sapos | Oscar Munhoz – Fim do ano de 1936. 

Eu, com meus 8 anos de idade, como fazia todos os dias, caminhava pela poeirenta ou barrenta – conforme o tempo – Av. Tereza Cristina, ladeada por grandes terrenos vagos, muitas chácaras de hortaliças e umas poucas casas simples.

Seguia beirando o córrego do Ipiranga, em direção à “2ª Escola Mista da Vila Prudente”,na famosa “Ilha do Sapo”, pequeno bairro situado entre o Rio Tamanduateí e a Av.Presidente Wilson, isolado e ignorado pelas autoridades de então, onde cursava osúltimos dias do meu primeiro ano da escola.

Nome pomposo para uma única sala de aula, nos fundos de um terreno com muitasárvores frutíferas, cujos frutos, muito cobiçados, mas jamais tocados por nós alunos. Talvez pela pouca idade que tínhamos…

Depois de percorrer a Av. Tereza Cristina em quase toda a sua extensão, cruzava ocórrego por uma ponte de madeira e dali em diante seguia pela várzea do RioTamanduateí por mais ou menos 400 metros, entre capoeiras e pequenas lagoas. Estas, formadas pelas chuvas de verão que, com o transbordamento do rio, ficavam abarrotadasde peixes. Quando as águas baixavam era uma festa; moleques e adultos, de peneira ouqualquer outro apetrecho, pegavam muitos peixes, desde os espertos lambarís àsenormes traíras, bagres e outros.

Percorrido este trecho que povoava a imaginação daquele menino de 8 anos, com suascapoeiras, com os pequenos bandos de anús pretos, tico­ticos, sanhaços e outros, comsuas lagoas e seus peixes, sapos,pequenos lagartos verdes e uma variedade de insetos,chegava a uma precária passarela de madeira, por onde cruzava o Rio Tamanduateí, chegando à Ilha do Sapo, caminhando por mais 3 quadras até a escola. 

Escola esta que era comandada por 2 irmãs: pela severa Dona Ondina, sóbria na maneira de vestir e no tratamento com os alunos. Dona Antonieta já se esmerava nas roupas. Chegava na classe sempre muito elegante, vestidos bonitos,chapéus de abas largas (sim, naquele tempo as mulheres usavam chapéus…) de fala e gestos suaves. Ela também muito bonita, enchia os olhos e os sentidos de todos nós,crianças de origem simples. 

Fiz estas caminhadas durante 2 anos. Quando chovia muito, fazia­-a pela Av. D. Pedro I. Mas, preferia caminhar pelas várzeas, uma grande aventura… Dois anos sem nenhum sobressalto. Claro que deixava minha mãe em casa preocupada. Mas, sua preocupação era: ” Cuidado para atravessar a ponte”. E só. 

Assim, pelas visões daquele menino de 8 anos, saindo sozinho as ruas, dando seus primeiros passos fora de casa, suas primeiras relações fora do lar, sem sustos, sem sobressaltos, vislumbro uma São Paulo já fantástica, linda, pura que ficou no passado.

***
Mauro Calliari é administrador de empresas, mestre em urbanismo e consultor organizacional.  *Artigo publicado originalmente no blog Caminhadas Urbanas no Estadão.

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