Caem as máscaras

Eu diria que as máscaras são as novas beatas, como se diz aqui em Portugal, ou bituca e guimba, na versão brasileira. Já não há sarjeta sem máscara, praia sem máscara, gramados (ou relvados, aqui na terrinha) sem máscara. Estima-se que são necessárias cerca de 129 bilhões de máscaras descartáveis todos os meses ao redor do mundo para garantir a proteção. Ainda que o número pareça gigantesco e que talvez não tenhamos atingido essa cifra, são muitos milhões de máscaras pulando do nariz e da boca para o lixo todos os meses pelo mundo afora. Muitas ficam por aí, emporcalhando ruas, parques e mares, matando peixes e outras formas de vida nos oceanos e rios.

Máscaras em produção em Shanghai na China. Foto:: Aly Song / Reuters.

A situação só não é pior porque as máscaras descartáveis nem sempre são logo descartadas. Sim, isso mesmo. Parece que tem gente que se apega à máscara e segue usando a mesma durante dias, semanas. Estudo recente do Scientific Advisory Group for Emergencies (Sage), grupo de aconselhamento científico do Reino Unido, aponta que metade das pessoas que usam máscaras descartáveis não as trocam regularmente. Acho que todo mundo já viu, né? Aquelas máscaras penduradas no espelho retrovisor do carro, ocupando o lugar da fitinha do Senhor do Bonfim ou do pé de coelho, como se realmente fosse apenas um amuleto para espantar o vírus. Fica ali pendurada, exposta, pronta pra sair, sempre que o motorista precisa dar uma passadinha no mercado, no posto de gasolina, na farmácia. E aí tem a pessoa do lado, o passageiro, que pode ter esquecido a máscara (sim, sempre tem): “Usa minha, desce lá rápido e traz 10 pãezinhos. Fico esperando aqui no carro pra não ter que estacionar”. Tipo dividir escova de dentes. O mesmo levantamento mostra que as máscaras reutilizáveis não são lavadas regularmente, ou seja, é quase um enfeite para o nariz. De acordo com os dados, pouco mais de 10% das pessoas lavam as máscaras corretamente. E mesmo entre aqueles que fazem a correta limpeza, um terço usa as máscaras mais de 4 vezes antes de lavar.

A situação só não é pior porque as máscaras descartáveis nem sempre são logo descartadas. Foto: Getty Images.

Com tanta máscara virando lixo, ONGs em Portugal já iniciaram uma grande campanha de conscientização sobre o uso e descarte correto dos modelos descartáveis e, principalmente, sobre a importância de dar preferência para as máscaras reutilizáveis. A iniciativa “Não Sufoque a Natureza”, liderada pelas WWF Portugal, ANP (Associação Natureza Portugal, Sciaena (Associação de Ciências Marinhas e Cooperação) e da ZERO (Associação Sistema Terrestre Sustentável) está nas redes sociais com uma série de peças e mensagens para buscar a mobilização e a mudança de comportamento. Além dos argumentos ambientais, o uso das máscaras reutilizáveis é uma maneira de apoiar a indústria local, reforçam as entidades. Elas lembram, também, que a máscara descartável não é reciclável e deve ser colocada nos contentores corretos, para evitar a contaminação de quem faz a coleta. Jogar na rua, então, nem pensar… é o atalho mais rápido para chegar aos mares e rios.

No mundo acadêmico, a preocupação é a mesma. Cientistas da Universidade de Aveiro, cidade aqui pertinho de casa, também lançaram um apelo para que se busquem alternativas às máscaras descartáveis. Além das máscaras, a equipe da universidade alerta ainda para as luvas, os aventais e outros equipamentos de proteção que ou não existiam ou tiverem seu uso exponencialmente multiplicado. “É urgente encontrar alternativas. A gestão dos resíduos como está atualmente e o comportamento das pessoas têm gerado uma contaminação ambiental generalizada”, apontam as pesquisadoras, que seguem trabalhando em parceria com instituições canadenses, chinesas e espanholas.

“Não sufoque a natureza”: campanha apela ao uso de máscaras reutilizáveis. Imagem: Divulgação.

E para quem não se comove apenas com o chamado ecológico, discute-se por aqui também a proposta da criação de um “rembolso” para quem devolver as máscaras. Seriam pontos de coleta onde os consumidores levariam suas máscaras usadas e ganhariam algum incentivo financeiro para, por exemplo, comprar máscaras novas. Algo que já existe para uma série de itens como garrafas plásticas ou de vidros e que passaria a valer também para as máscaras descartáveis. Se o impacto negativo na saúde, no bem estar, na limpeza da cidade ou mesmo na vida de pessoas e animais não é o suficiente para mudar o péssimo hábito de jogar máscaras pela rua, quem sabe a ajudinha de alguns centavos não dá um empurrãozinho na alteração do comportamento. 

Nada indica que o fenômeno das máscaras será passageiro, portanto é bom que ela seja tratada – por nós e pelos responsáveis pela gestão dos resíduos e pelas políticas públicas ligadas à reciclagem – de forma responsável, se pretendemos sobreviver ao vírus e a todos os efeitos negativos de uma pandemia deste porte. Quando vemos pessoas “do bem” descartando máscara de qualquer jeito ou fazendo mau uso da proteção, talvez o termo “máscaras caindo” fale muito mais da postura das pessoas do que do lixo que vai para as ruas.

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Marcos Freire mora com a família em Ovar, Portugal, pequena cidade perto do Porto, conhecida pelo Pão de Ló e pelo Carnaval. Marcos é jornalista, com passagens pelas principais empresas e veículos de comunicação do nosso país. Escreve quinzenalmente no São Paulo São.

 

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