Carnaval mais sustentável

Ovar quer que o número de copos de plástico fique entre os 35.000 e os 40.000, quando normalmente são usados 100.000 recipientes só nos cinco principais dias do evento. Foto: LUSA.

A determinação a partir de agora é que os bares e outros estabelecimentos usem um “ecocopo”, feito de material mais resistente, para acompanhar o folião ao longo dos dias da festa de Momo. Para estimular, farão com estampas diferentes, todas alusivas a um dos mais famosos carnavais de Portugal, como incentivo para que seja também colecionável. Fico aqui na torcida, imaginando a turma da cerveja não largando seu copinho, até porque eles deverão custar algo como 50 centavos de euro (ou, como dizem por aqui, 50 cêntimos). Deve funcionar nas primeiras cervejas, mas depois… bom, tem quem perca a carteira, o telemóvel (o nosso celular), até mesmo a namorada ou o namorado, perdem a vergonha na cara e tantas outras coisas, mas quem sabe não conseguem manter o copinho firme e forte como o grande parceiro do próximo Carnaval.

A programação completa do carnaval de Ovar começa em 9 de fevereiro e prossegue com muitas atividades diferentes até o início de março, com um investimento de cerca de 650 mil euros. E para quem está acostumado a ver os desfiles no Brasil, aqui o modelo é muito parecido. Há escolas de samba, blocos, um grande desfile e um monte de gente para fazer as coisas darem certo. Até uma “Aldeia do Carnaval” permanente foi inaugurada há poucos anos, com galpões onde cada escola pode ir criando o seu carnaval ao longo do ano, a exemplo do que existe no Brasil. No ano passado, foram mais de duas mil pessoas trabalhando diretamente. Ruas são fechadas, arquibancadas erguidas (ou, como dizem em Portugal, as bancadas) e um operação bem estruturada monta o esquema para adequar o transito de veículos e pessoas. 

Há escolas de samba, blocos, um grande desfile e um monte de gente para fazer as coisas darem certo. Foto: LUSA.

No último ano, o “sambódromo” de Ovar, um trecho de algumas centenas de metros de uma larga avenida, com bancadas dispostas nas laterais, reuniu mais de 4 mil pessoas, mesmo sob um tempo nada convidativo para a festa em que os corpos tradicionalmente andam com pouca roupa: muita chuva e frio castigaram os passistas, as pequenas baterias e todos nós (sim, eu e a família estávamos lá vibrando debaixo d’água) que nos equilibrávamos nas ripas de madeira. E por ser uma cidade pequena, cada grupo que passa, cada escola ou bloco, é saudado pela plateia, que muitas vezes estimula aqueles que desfilam chamando-os pelos nomes. Durante as quatro ou cinco semanas com programação, a cidade recebe cerca de 1 milhão de pessoas. Ou seja, é como se cerca de 10% da população de Portugal desse uma passadinha aqui por Ovar, município que tem algo como 50 mil habitantes.

A influência brasileira no Carnaval daqui é bastante grande. Há oficinas e workshops com sambistas, passistas e carnavalescos, que trazem a experiência tropical para os artistas daqui e para aqueles que ficam nos bastidores, ajudando a administrar esse grande espetáculo. Pelo centro da cidade, alto-falantes presos aos postes seguem tocando samba o dia inteiro durante praticamente todo o mês que antecede os desfiles. A trilha sonora da cidade, ainda que mais como uma música de fundo, passa a ser interpretada por Zeca Pagodinho, Alcione, Martinho da Vila, Arlindo Cruz e outros nomes bem conhecidos nossos. 

Fantasias, carros alegóricos e uma grande produção levaram o carnaval para um outro patamar. Foto: Observador.

Quando chegamos para morar aqui, em janeiro de 2018, poucas semanas antes do nosso primeiro carnaval português, estranhei um pouco essa “playlist” vindo de não sei onde, até perceber as caixinhas acústicas muitas vezes imperceptíveis presas no topo de postes, por trás de árvores. A cidade literalmente vibra ao som do nosso samba. Aliás, uma das principais noites dos dias de Carnaval é a chamada “Noite Mágica”, uma espécie de “rave”, com palcos montados em pontos diferentes da cidade e uma grande arena central, que tocam não apenas samba e que fazem as janelas dos prédios tremerem até o raiar do sol. Algo como a nossa Virada Cultural, reunindo gente que vem de longe só pra curtir a noitada. O resultado de toda essa produção pode ser medida em retorno financeiro: os hotéis registram taxa de ocupação de 100% e muita gente acaba tendo que se hospedar nas cidades vizinhas. Estima-se que a economia da região “ganhe” cerca de 4 milhões de euros durante os dias de festa.

O carnaval de Ovar, no entanto, já viveu também seus momentos de baixa, passando por um período em que pouco ou nada acontecia na cidade. Jornais do final do século XIX já traziam artigos relatando um declínio nas festas e empolgação dos foliões. A animação voltou nos anos 1920 a 1930, com os bailes de máscaras em salões nobres fechados para a elite de Ovar. Com o sucesso, os salões começaram a ficar pequenos e as ruas voltaram a ganhar a energia e a vibração de Momo. Mas foi depois da guerra que a empolgação cresceu. Os diversos bairros organizavam pequenos grupos, que competiam entre si, como um embrião do que seriam as atuais escolas de samba. A partir do início dos anos 1950 o carnaval já fazia parte do roteiro turístico de Ovar. Mas o excesso de empolgação acabou levando a festa a ser mais uma vez questionada e até evitada por parte dos cidadãos. O clima de “vale tudo” levou grupos a cometerem exageros, pequenos delitos, muitas brigas, tornando pontos da cidade verdadeiras praças de guerra, motivo pelo qual o período ficou conhecido como “Carnaval Sujo”. 

Cada grupo que passa, cada escola ou bloco, é saudado pela plateia, que muitas vezes estimula aqueles que desfilam chamando-os pelos nomes. Foto: Move.

A alegria voltou na década de 1960, quando o Carnaval passou a receber influência de várias tendências e culturas diferentes, estrangeiros e o grande retorno de emigrantes que haviam deixado Ovar anos e décadas antes, principalmente em direção ao Brasil. A partir dos anos 1980, o samba já tomava conta do carnaval de Ovar e as escolas de samba começaram a surgir. Fantasias, carros alegóricos e uma grande produção levaram o carnaval para um outro patamar.

Pra quem se animar, há muita festa, muita música, e não há frio ou chuva que segure a animação do Ovarense. Capriche na fantasia e já pense onde vai deixar seu copinho durante a festança. Beba com moderação e caia no samba!

***
Marcos Freire mora com a família em Ovar, Portugal, pequena cidade perto do Porto, conhecida pelo Pão de Ló e pelo Carnaval. Marcos é jornalista, com passagens pelas principais empresas e veículos de comunicação do nosso país. Escreve quinzenalmente no São Paulo São.

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