Carros levam 30% dos passageiros, mas respondem por 73% das emissões poluentes em São Paulo, diz levantamento

Os dados, obtidos com exclusividade pelo Estado, fazem parte do Inventário de Emissões Atmosféricas do Transporte Rodoviário de Passageiros no Município de São Paulo, lançado nesta terça-feira, 23, pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema). 

O levantamento mostra o impacto da escolha pelos carros em vários indicadores. Um deles é o de distância percorrida. O total de carros e o total de ônibus transportam volume parecido de pessoas na cidade (cerca de 30% contra 40%), segundo Pesquisa Origem e Destino. Mas, conforme os cálculos do Iema, os carros ocupam 88% do espaço das vias, ante somente 3% usados pelos ônibus. 

“É bastante chocante quando se juntam todos esses números. Temos mais de 70% das emissões de gases estufa para transportar 1/3 dos passageiros, ocupando quase 90% do território da cidade”, resume o pesquisador David Tsai. “É uma ineficiência tanto pelo uso do espaço público quanto pelo consumo de energia”, diz.

Outra forma de ver isso é pela quantidade de gases de efeito estufa que é emitida por uma pessoa por quilômetros percorridos em cada modal. Andando sozinho de carro, o passageiro vai emitir 65,8 gramas de gás carbônico-equivalente (CO2-e) por quilômetro, quase quatro vezes mais do que faria se estivesse em um ônibus com outras pessoas (17 gramas).

Impacto total
Avenida Santos Dumont. O peso dos carros na poluição da cidade também ganha destaque quando se analisam os gases com potencial de causar danos à saúde Foto: Werther Santana / Estadão.O inventário oficial de emissões da cidade, organizado pela Prefeitura, já tinha mostrado que o setor de transportes respondia por 61% das emissões totais, segundo dados de 2011. O novo estudo inova ao mostrar o papel de cada modo de veículo, assim como as emissões distribuídas pela cidade e por horário ao longo do dia. Os dados estão disponíveis em plataforma online no site Inventário de Emissões Atmosféricas do Transporte Rodoviário de Passageiros no Município de São Paulo.

Para chegar a esse resultado, os pesquisadores trabalharam com estimativas de emissões com base em dados oficiais já disponíveis, como a quilometragem percorrida pelos veículos nas vias ao longo do dia, fornecida pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e fatores de emissões do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Procomve) adaptados para refletir o impacto de congestionamento nas velocidades. Via de regra, quanto mais tempo parado fica o veículo, mais ele emite poluentes.

A ferramenta, explica Tsai, tem como objetivo ajudar a encontrar as soluções mais adequadas para o transporte da cidade. “Antes de implementar uma medida como redução de ciclovias ou de faixas exclusivas de ônibus (como já ocorreu no Viaduto Nove de Julho) ou de mudança de tecnologia, como trocas de combustíveis, é possível checar com o inventário o impacto que elas podem ter”, afirma. A ideia é que ele sirva, por exemplo, nas discussões sobre a nova licitação de ônibus que vai responder pelos próximos 10 anos.

O trabalho dialoga com outro estudo feito pelo Iema que mostrou que de 2012 para 2014 a velocidade de ônibus na capital cresceu em média 14% em locais que passaram a ser servidos com faixas de ônibus. Enquanto as emissões caíram de gases de efeito estufa caíram 5%. O trabalho foi parcialmente lançado em outubro do ano passado e pode ser visto completo e revisado agora no site do Iema (Relatório final e painel de resultados do estudo de faixas exclusivas)

“Os resultados apresentados pelo Iema dão subsídios muito importantes para a elaboração de projetos de políticas públicas. Mostram que há a necessidade de ampliar o uso do transporte coletivo e diminuir o individual. Se mais pessoas passarem a usar o transporte público, diminui a emissão de CO2 por passageiro. Lembrando que para a Região Metropolitana de São Paulo, a principal fonte de emissão de poluentes é a frota veicular”, comentou Maria de Fatima Andrade, pesquisadora do Departamento de Ciências Atmosféricas da USP, após ver os dados do inventário.

“É mais um indicativo de que o transporte público é a forma mais eficiente para mobilidade urbana sob o ponto de vista ambiental e de congestionamento”, concordou o pesquisador Cristiano Façanha, do Conselho International pelo Transporte Limpo (ICCT). 

“A melhora da eficiência energética dos automóveis é também uma estratégia efetiva para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Os automóveis europeus novos são em média mais de 20% mais eficientes do que os novos automóveis brasileiros, e essa defasagem pode ser eliminada com investimentos em tecnologia veicular”, complementa. 

Segundo ele, uma análise feita pelo ICCT dos custos e benefícios dessa mudança concluiu que os benefícios para o consumidor superam os custos tecnológicos por uma razão de 2,4.

Saúde

Os dados do Iema mostram que é importante aumentar a disponibilidade de transporte coletivo com baixa emissão de poluentes. Foto Alex Silva / AE.

O peso dos carros na poluição da cidade também ganha destaque quando se analisam os gases com potencial de causar danos à saúde, como o material particulado (MP) e os chamados hidrocarbonetos não metanos (NMHC), ambos relacionados com problemas respiratórios. 

De acordo com o Inventário de Emissões Atmosféricas do Transporte Rodoviário de Passageiros no Município de São Paulo, dependendo do horário de circulação, os carros chegam a responder por mais de 80% das emissões de MP. Para este poluente, o município tem sistematicamente ultrapassado padrões de qualidade do ar. O mesmo se vê com o NMHC, do qual os carros chegam a ser responsáveis por 87% das emissões nos horários mais críticos de trânsito.

Os ônibus só lideram as emissões de óxidos de nitrogênio  (79%), ligados à queima do diesel. Os NOx são precursores, junto com o NMHC, de ozônio, também prejudicial à saúde.

Esse dado é importante para a discussão que ocorre no momento na Câmara dos Vereadores de São Paulo de projeto que adia em 20 anos meta de ônibus limpos em São Paulo. A proposta altera o capítulo 50 da lei de mudanças climáticas da capital, que estabelece que até o ano que vem toda a frota de ônibus deveria funcionar com combustíveis limpos. A lei foi pensada para a redução de gases de efeito estufa, mas a substituição de combustíveis fósseis seria boa também para a saúde.

“Os dados do Iema mostram que é importante aumentar a disponibilidade de transporte coletivo com baixa emissão de poluentes. Isso garantiria uma melhora na qualidade do ar e na emissão de gases de efeito estufa (uma forma de ganhar dos dois lados). Para isso é importante utilizar formas alternativas ao uso de combustíveis fósseis”, complementou Maria de Fatima.

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Por Giovana Girardi em O Estado de S.Paulo.

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