Por Henry Mance.
Numa área do norte de Paris conhecida no passado por terminais ferroviários, viciados em drogas e campos de refugiados, Anne Hidalgo contempla uma série de obras enormes de construção. Diante dela, está uma avenida de quatro pistas, todas engarrafadas.
“Tudo isto daqui era o caos”, diz a prefeita. Era? “OK, é!” Hidalgo descreve a avenida congestionada como “horrorosa.” Mas ela tem um plano radical para este local, a Porte de la Chapelle, assim como para outras áreas de Paris. Ela quer menos carros, calçadas mais largas e mais árvores. “E bicicletas, é claro, porque sem bicicletas não seria meu plano!”
A prefeita de Paris lidera um dos esforços mais ambiciosos do mundo para acabar com a dependência das pessoas de seus carros. Ela abraçou o conceito da “cidade de 15 minutos”, redesenhando os transportes públicos, a moradia, os empregos e os espaços públicos para que os parisienses possam viver sem passar longas horas diárias indo e vindo do trabalho —e gerando poluição com isso.
De acordo com a empresa de análise Inriz, Paris é a segunda cidade mais congestionada da Europa, atrás apenas de Londres. Mas hoje vê-se um fluxo constante de ciclistas em muitos de seus bulevares.
Os parisienses que gostavam de percorrer a cidade de carro estão indignados. Acusam Hidalgo de tornar a capital um lugar menos fácil e agradável de viver. Nas redes sociais, algumas pessoas estão usando a hashtag #SaccageParis (“Paris depredada”) ao compartilhar fotos de ciclovias e plantio de árvores que não deram certo, assim como fazem quando veem uma quantidade maior de lixo nas ruas.
Para agravar a situação, desde a pandemia de Covid, a rede de ônibus parisiense sofre os efeitos da falta de motoristas —ainda que isso não seja da alçada da prefeita.
Carlos Moreno, acadêmico responsável pelo conceito da cidade de 15 minutos, atribui a oposição a pessoas de alto poder aquisitivo que não querem ver pobres ocupando o espaço público. “Há um pouco disso, sim”, diz Hidalgo. “Existem pessoas conservadoras que não se interessam em ver transformações porque elas vivem bem, têm apartamentos amplos e casas de campo. Elas não compartilham a vida da classe média parisiense.”
Hidalgo vem tendo dificuldade em levar sua mensagem a um público mais amplo. No ano passado, sua campanha presidencial recebeu apenas 1,75% dos votos, o pior resultado já obtido por um candidato do Partido Socialista.
Mas, em breve, o mundo terá a oportunidade de avaliar as mudanças que ela está promovendo. Paris será a sede das Olimpíadas de 2024. Onde hoje há vias públicas em obras, haverá 60 quilômetros de ciclovias, de modo que os turistas poderão ir de bicicleta a todos os locais dos eventos.
A Porte de la Chapelle terá um novo ginásio de esportes com telhado ajardinado. Hidalgo quer que a área fique “tão bela quanto Les Invalides”, o monumento erguido pelo rei Luís 14. “A população local merece a beleza. Sempre há quem diga ‘sim, mas não agora’. E eu digo: ‘Não! A população daqui tem pressa.’”
Muitos políticos falam sobre mudança climática. Mas Hidalgo é uma das poucas a pedir que os cidadãos aceitem os inconvenientes. Menos carros em circulação figuram como um exemplo disso. Outro é o ar-condicionado. Cada vez mais, a temperatura no verão parisiense anda passando dos 40ºC. Contudo, para poupar energia, a Vila Olímpica, local onde os atletas vão se hospedar, não terá os aparelhos.
“Por que pensamos que precisamos de ar-condicionado?” A ideia é que o design dos prédios garanta que, mesmo no clima de 2050, a temperatura em seu interior não passe de 28°C por mais de 160 horas por ano. “Não posso pensar apenas no impacto sobre os atletas por 15 dias”, explica a prefeita. “Não dá para responder à mudança climática sem levá-la em conta sempre.”
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Artigo publicado originalmente no Financial Times.