Cidades brasileiras estão longe de atender seus pedestres e promover a boa caminhabilidade, aponta estudo

“A pandemia ajudou a colocar luz sobre a importância dos espaços públicos e da mobilidade a pé e de bicicleta”, destaca a urbanista Danielle Hope, gerente de Mobilidade Ativa da organização. Com o risco de contágio do novo coronavírus em aglomerações, o debate sobre como evitar a lotação do transporte público ganha força. “A mobilidade a pé nem é vista como mobilidade pela maioria das pessoas, embora qualquer deslocamento comece e termine a pé.”

O estudo é focado em quatro fatores determinantes para haver o que se chama de boa caminhabilidade: serviços essenciais (de saúde e educação básica) a até 1 quilômetro de distância; espaços car-free (como calçadões, parques e praças) a, no máximo, 100 metros de casa; número de quadras por quilômetro quadrado; e densidade ponderada (número de habitantes calculado na média de pequenos recortes de área).

Esses dados se baseiam na ideia de que áreas com serviços próximos exigem menores deslocamentos e, com mais densidade, maior é o número de pessoas com acesso a essas oportunidades. Além disso, como destaca Danielle, quadras mais curtas facilitam os deslocamentos, reduzindo desvios, e espaços car-free são formas de promover o lazer para todos com maior segurança.

O debate sobre qualidade de vida a pé ganha força na pandemia. Fortaleza em foto de Mariana Gil / WRI Brasil.

Das metrópoles com 2,5 milhões de habitantes ou mais, por exemplo, entre as brasileiras, apenas Fortaleza e Recife têm ao menos 60% da população morando a até 1 quilômetro de distância de escolas e espaços de saúde. Em São Paulo, esse número abrange apenas 47% da população, quase metade da líder do ranking, Katmandu (com 90%), no Nepal. No caso de cidades com mais de 500 mil habitantes, a Grande Vitória, no Espírito Santo, se torna uma exceção, encabeçando o primeiro lugar no ranking latino-americano, com 86%.

A situação se repete nos índices de pessoas que vivem a até 100 metros de espaços car free. O percentual é de 85% da população em Hong Kong, enquanto é menos da metade (38%) no melhor caso brasileiro (Grande Vitória). Nas metrópoles com ao menos 2,5 milhões de habitantes, a posição do País mais alta é de São Paulo, com 31%.

Já no caso de densidade ponderada, os resultados mais próximos da meta de (18 mil pessoas por quilômetro quadrado) são do Rio (18, 6 mil), de Fortaleza (17,9 mil) e do Recife (17,6), entre as grandes metrópoles. Entre as cidades de mais de 500 mil habitantes, a lista também inclui Belém (18,6 mil), Maceió (18 mil), Manaus (18 mil) e a Baixada Santista (17,5 mil).

Resultado semelhante ocorre em relação ao número de quadras por quilômetro quadrado, cujo ideal é 80, semelhante à média de Fortaleza (74,2), Baixada Santista (88,5), Brasília (77,5) e Grande Vitória (77,4).

Falta investimento para mudar situação, diz especialista

Nas metrópoles com ao menos 2,5 milhões de habitantes, a posição do País mais alta é de São Paulo, com 31%. Foto: Getty Images.

Para Danielle, há pouco investimento nas cidades brasileiras para mudar essa situação. “As cidades estão praticamente reabertas (após a pandemia), sem nenhuma ação consistente em relação à mobilidade (durante a crise, surgiram várias ações pelo mundo, incluindo extensão de calçadas e ampliação de ciclovias).”

Professor de Urbanismo da Mackenzie, Antonio Claudio Fonseca explica que as cidades brasileiras são pautadas por uma desigualdade que fica exposta no estudo. Ele cita São Paulo, cujos bairros do entorno da Avenida Paulista tem farta oferta de infraestrutura, realidade distinta da periferia.

Para ele, pequenos investimentos podem trazer resultados e mudanças. Um exemplo internacional é Bogotá, que se tornou referência em mobilidade após investir em ciclovias, espaços para pedestres e uma variedade de modais.

Fonseca também comenta que a caminhabilidade ainda depende de outras mudanças, como a presença de comércios e serviços nos térreos dos edifícios, boa iluminação e calçadas largas e bem conservadas. “A cultura do transporte individual, elitizado, via pneu, de automóvel é muito forte nas nossas cidades. O automóvel é um complemento do transporte, não pode ser protagonista. Em São Paulo, ele é o protagonista absoluto, e que grande parcela da população não tem acesso.”

Fortaleza e Grande Vitória se destacam, mas desigualdade é desafio

Parque Moscoso em Vitória, Espírito Santo. Foto: Leonardo Silveira / Ascom PMV.

Entre as capitais mais populosas do País, o melhor desempenho no ranking é de Fortaleza. “Áreas livres são muito reduzidas, mas grande parte dos espaços vazios são ocupados por assentamentos precários”, pondera o professor de Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), Renato Pequeno, integrante da rede Observatório das Metrópoles.

Segundo ele, a pressão da população conseguiu levar alguns serviços essenciais para esses espaços tão densos, mas nem sempre essa presença garante qualidade no atendimento. Além disso, com a concentração de oportunidades, há um deslocamento das populações vizinhas para a capital. “Há um desequilíbrio no restante do Estado, especialmente na região metropolitana.”

Essas desigualdades também são destacadas por Daniella Bonatto, professora de Urbanismo da Federal do Espírito Santo (Ufes), ao comentar o destaque da Grande Vitória, cuja realidade da capital é distinta dos demais municípios metropolitanos. “Vitória é basicamente uma ilha, tem o seu tamanho determinado, que limita o seu crescimento. Também tem vários bairros planejados, praças, mas é diferente em volta. Vila Velha e Serra são muito diferentes.”

Assim como Fortaleza, a capital capixaba também vive um fluxo grande de tráfego pendular diário atrás de serviços e emprego. Por isso, mesmo com esses dados mais positivos de caminhabilidade, tem um movimento de pessoas com dependência do uso de automóvel, o que seria resolvido com mais oportunidades também em outras áreas.

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Por Priscila Mengue no Estadão.

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