Clemente, dos ‘Inocentes‘, conta as suas memórias do punk em livro com Marcelo Rubens Paiva

Seu destino estava traçado em algo que, a rigor, nem existia naquele começo de anos 1970 e que, além disso, parecia vetado a jovens de sua cor: o punk rock. Fundador de uma das primeiras e mais importantes bandas do punk brasileiro, o Inocentes, Clemente agora conta a sua história (e a de seus companheiros de música e brigas) em “Meninos em fúria”, livro feito a quatro mãos com o escritor Marcelo Rubens Paiva.

Antes da fama súbita com o livro “Feliz ano velho” (de 1982, em que relatou suas experiências como jovem que ficou paraplégico aos 20 anos de idade), Marcelo era um dos universitários que buscavam uma aproximação com os punks da periferia paulistana — meninos que, como Clemente, dividiam seu tempo entre bailes em que ouviam rock pesado, de garagem, e as batalhas (com canivetes e pedaços de paus) contra as gangues de outros bairros — isso, mesmo que qualquer um deles tivesse ouvido falar de Ramones ou Sex Pistols. “Se os americanos ou os ingleses não tivessem inventado o punk, nós da Vila Carolina (bairro vizinho ao Limão, onde Clemente estudava) inventávamos”, escreve Marcelo, dando voz ao velho amigo (que interfere na narrativa com trechos em primeira pessoa, que escreveu para uma autobiografia nunca terminada).

— Nos shows punks, a gente ficava disputando quem ia cuidar do Marcelo. A gente não sabia quem ele era, só que era um cadeirante muito doido — comenta, com o humor de sempre, Clemente, 53 anos, que hoje se divide entre os Inocentes e a Plebe Rude, acaba de lançar seu primeiro álbum solo e apresenta programas no rádio e na internet.

“Meninos em fúria” segue Clemente na descoberta do rock, nas muitas tretas entre as gangues (cenas que não ficariam nada a dever às de “The warriors (Os selvagens da noite)”, filme americano de 1979 que o garoto viu inúmeras vezes), na formação das primeiras bandas (como Restos de Nada e Condutores de Cadáver, que dariam origem aos Inocentes), na consolidação de uma cena punk paulistana (por volta de 1982), na sua rápida dissolução e nos tempos ruins que vieram depois. Pelas páginas, passam figuras da turma punk da Vila Carolina, como Kraneo (negro, que foi para o hip-hop, converteu-se ao Islã e foi morto depois de apartar uma briga na boate em que era segurança) e Tiozinho (que virou advogado).

O vocalista e guitarrista dos Inocentes diz que é inevitável fazer paralelos entre o que os garotos punks viveram em sua época e o que vivem hoje os jovens que enfrentam a polícia em protestos diversos

— Hoje, você tem um acirramento dos conflitos — reconhece Clemente. — Na nossa época, tudo era mais claro, o Brasil vivia sob o regime militar… agora tudo é mais confuso. Existem ações da Justiça e do Estado que são coincidentes com algumas da ditadura. O espírito da garotada de hoje ainda é jovem, de querer mudar e não se entregar, de lutar por aquilo que acha certo. Eles têm o mesmo romantismo e esperança que nós tínhamos.

Serviço

Meninos em Fúria
De Marcelo Rubens Paiva e Clemente Tadeu Nascimento.
Editora: Alfaguara.
Páginas: 248.
Preço: R$ 39,90.

***
Por Silvio Essinger em O Globo.

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