Depois veio a invenção das rodas e domesticação dos animais e seu uso como força de tração. As trilhas precisaram ser alargadas e sua superfície suavizada para que os primeiros instrumentos de carga pudessem ser arrastados. Árvores eram derrubadas e pedras grandes foram removidas. Essa pequena evolução das trilhas resultou no início das viagens, que também deu origem à expansão do comércio. E o comércio, por sua vez, deu origem às primeiras estradas pavimentadas: por volta do ano 4.000 a.C., os habitantes de Ur, uma cidade-estado da Mesopotâmia, construíram trilhas revestidas com pedras. Nesse mesmo período, surgiram as primeiras “estradas de toras” —trilhas revestidas com toras dispostas transversalmente, como um assoalho rústico — na Grã-Bretanha. Mil anos mais tarde, os hindus começaram a pavimentar suas trilhas com tijolos.
Em 500 a.C., o imperador persa Dario I iniciou a construção de um sistema rodoviário para facilitar a ligação entre as várias cidades e regiões do Império Aquemênida. Seu eixo central era a Estrada Real Persa, uma estrada de 2.700 km entre as cidades de Susa (no atual Irã) e Sardis (na atual Turquia). Com a rodovia, os mensageiros persas eram capazes de completar a viagem entre as duas cidades em apenas sete dias — ou 385 km por dia!
Mas foi o Império Romano quem revolucionou a história das rodovias. As famosas estradas romanas começaram a ser construídas em 312 a.C — a primeira delas foi a Via Ápia — como forma de agilizar o deslocamento das tropas romanas e, claro, auxiliar a expansão do Império e a comunicação entre suas regiões.
Todas as estradas levam a Roma
Obviamente elas permitiram viagens mais rápidas e seguras para todos. Como eram bem projetadas e construídas, as estradas romanas permaneceram mesmo após a queda do Império e mesmo durante a Idade Média, período em que não havia recursos, nem conhecimento para mantê-las conservadas.
Foi somente no Período Renascentista, com enriquecimento dos Estados, que as rodovias voltaram a ser construídas. Inspirados nas antigas vias romanas, esses estados começaram a construir redes de estradas e pontes para facilitar as viagens com cavalos e carruagens. Os renascentistas tentaram emular o método romano de construir estradas, mas como se limitavam a copiá-lo, não houve grande desenvolvimento nessa época.
As coisas só mudariam no fim do século 18, quando, em meio à Revolução Industrial, surgiu o primeiro construtor de estradas da história: John Metcalf. Segundo ele, uma boa estrada deveria ter boa fundação, ter uma boa drenagem de água e a superfície suavemente convexa para permitir o escoamento da água para pequenas valas em suas bordas. Exatamente como todas as ruas e estradas são feitas até hoje. Ele foi o primeiro engenheiro a salientar a importância da drenagem pois sabia que é a chuva que causa os maiores problemas às estradas.
Com as inovações de Metcalf e outros engenheiros da época, a construção de estradas evoluiu e a pavimentação passou a adotar macadame coberto com alcatrão, dando origem a uma forma primitiva do que chamamos de asfalto. As viagens passaram a ser mais rápidas, mais seguras e, finalmente, mais confortáveis.
A decadência das estradas
Apesar da rapidez e conforto nunca vistos antes, o transporte de passageiros e cargas daria um salto inimaginável até o início do século 19. A Segunda Revolução Industrial trouxe as locomotivas a vapor, capazes de transportar centenas de passageiros e toneladas de carga de forma muito mais rápida, confortável, segura e, acima de tudo, barata.
Com isso, o transporte por carruagens e outros veículos de tração animal começou a entrar em desuso. Como as carruagens, carroças e afins eram os únicos usuários das estradas, elas acabaram abandonadas. Ou quase.
Bi-ciclo
Um outro invento tão recente quanto as máquinas a vapor traria um novo tipo de usuário para as estradas. Seu nome era Draisienne ou Laufmaschine. Era basicamente um cavalete de madeira com duas rodas em tandem — uma atrás da outra — com um banco e uma alavanca para direcionar a roda dianteira. Você montava no quadro de madeira e impulsionava o veículo com os pés.
Décadas mais tarde, por volta de 1860, os franceses Pierre Michaux e Pierre Lallement perceberam que essa invenção poderia ser mais prática e rápida se houvesse uma manivela para mover as rodas. Como ela seriam acionada pelos pés, podemos chamá-las de pedivela. Sim, as alavancas que permitem pedalar esse tal velocípede.
Só que a roda pequena na dianteira exigia esforço demais para mover o pedal, então em algum momento dessa história alguém decidiu adotar rodas maiores na dianteira, criando as penny-farthing — aquelas bicicletas com a roda dianteira enorme e uma roda menor na traseira. Aliás, estas foram as primeiras máquinas chamadas “bicicletas”.
Mas como você já deve imaginar, elas eram difíceis de se guiar, e também um tanto perigosas por seu tamanho, Além disso, pedalava-se quase em pé, o que as tornavam desconfortáveis. Então, em 1876, um engenheiro inglês chamado Harry John Lawson projetou um biciclo com rodas de tamanho semelhante e conectou a pedivela à roda traseira por uma corrente. Nasceu assim a “safety bicycle”, ou “bicicleta de segurança”, que ganhou esse nome simplesmente por ser mais segura que as penny-farthing. Com isso, as bicicletas se popularizaram, e em vez de usar cavalos e carruagens, as pessoas passaram a usá-las para se locomover.
Mas como as bicicletas salvaram as estradas?
Com a popularização da bicicleta, os primeiros ciclistas simplesmente fizeram o que qualquer pessoa dotada de uma máquina com rodas faria: explorar os limites daquela máquina. Eles passaram a pedalar mais rápido e cada vez mais longe. Longe a ponto de sair das cidades e chegar às estradas e rodovias — aquelas abandonadas pela Revolução Industrial.
Cada vez mais, os ciclistas passaram a usar as rodovias para ir de uma cidade à outra, a visitar vilarejos e localidades fora das cidades. Parecia o paraíso das duas rodas, não? Estradas vazias, somente esperando os ciclistas passarem por elas.
Mas havia um problema: as estradas estavam em péssimo estado. Afinal, elas não eram necessárias para mais ninguém e, repetindo a história das vias romanas, acabariam se deteriorando pelo abandono. Então os viajantes de duas rodas começaram a se agrupar em organizações como o Cyclists’ Touring Club, da Inglaterra e a League of American Wheelmen, dos EUA. Unidos, os ciclistas conseguiram pressionar os governantes e políticos para conservar e construir novas estradas. Um dos movimentos mais influentes foi o US Good Roads, que conseguiu levar o próprio presidente dos EUA a uma de suas reuniões.
No Reino Unido, o Clube de Ciclistas também criou um movimento análogo, sob a liderança de William Rees Jeffreys, que organizava corridas no asfalto antes mesmo da popularização dos carros. Em 1885, ele e seus amigos ciclistas criaram a Associação para Melhorias de Estradas (Roads Improvement Association – RIA) e passaram a exigir a criação de rodovias 50 anos antes de o governo pensar em construí-las de fato.
Com a ajuda de aristocratas e membros da realeza, eles organizaram a primeira Conferência de Estradas, onde discutiram a necessidade de construção de melhores estradas. E apesar de ser uma organização de ciclistas, a intenção da RIA era pressionar o governo a construir estradas não apenas para os ciclistas, mas para todos que precisassem usá-las — incluindo os carros, que começavam a entrar em cena a partir de 1896, com a criação do Benz Patent Motorwagen. Uma postura bastante conciliadora e civilizada, diga-se de passagem.
Os ciclistas ainda influenciariam o mundo automotivo no começo do século 20, quando os primeiros circuitos ovais foram construídos com madeira, inspirados nos velódromos onde os ciclistas disputavam suas provas de velocidade.
A indústria automobilística, por sua vez, só faria um lobby semelhante depois dos anos 1930, quando a pavimentação asfáltica já era um padrão adotado na construção de rodovias. Tudo isso graças às pedaladas dos ciclistas vitorianos.
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Por Leonardo Corstesini no FlatOut.