Como um mercadinho de bairro virou a nova Meca gourmet de Barcelona

Quando chega o Natal, aparecem 97 panetones de diferentes marcas e, pela Semana Santa, 50 tipos de colomba pascal ocupam as prateleiras. A isso se soma a comida de todo o continente americano, da Ásia e da Europa. Está com vontade de comer folhas de parreira recheadas de arroz? Entrando pela esquerda. Precisa de uma latinha de ghee (manteiga clarificada)? No fundo, à direita. Cervejas raras? Manteiga italiana orgânica? Um sortimento de burrata? Você pede, e se não tiverem o que você procura, eles ficarão com o seu nome e conseguirão para você.

O supermercado de Mubarak Hussain e seu irmão Haroon se transformou na Meca gourmet de Barcelona pelo fato de esses paquistaneses serem capazes de conseguir qualquer comestível que você pedir. “Perguntamos muito aos clientes e telefonamos aos fabricantes de que nos falam”, afirma Mubarak, com uma lógica assombrosa de empreendedor.

A história dos Hussains se parece com a de muitos paquistaneses que decidiram buscar um futuro melhor na Espanha. Originários de Islamabad, chegaram à rua Parlament, no bairro de Saint Antoni, em Barcelona, em 1998, onde o pai abriu um supermercado. Na época, o endereço,  bastante cinza, para dizer a verdade, nada se parecia com o atual eixo da vida hipster barcelonesa.

No final dos noventa, no bairro de Sant Antoni, vivia uma classe média trabalhadora, proliferavam pequenos comércios e a atividade comercial girava em torno do segundo mercado mais antigo de Barcelona, sem mais glamour que seus produtos bons a preços populares. Apesar do entorno pouco cosmopolita, o negócio dos Hussains funcionava e seguiu em frente com uma família de três filhos: Mubarak, Haroon e Mafooz. Catorze anos mais tarde, em 2012, Mubarak decidiu continuar com o negócio do pai em um novo espaço, ao lado do original, e com um enfoque totalmente diferente.

“Todo mundo abre supermercados com produtos da Ásia ou América, mas nós queríamos algo diferente, com mais produtos europeus. Se todos tivéssemos o mesmo produto, não haveria negócio”, argumenta Mubarak. Pergunto-lhe de onde vem seu faro comercial, se estudou administração ou algo parecido, mas não: fez um curso superior de informática.

Um pouco de massa basta? Foto: Laura Conde.

Fico surpreso com a variedade de marcas de passata – Mutti, De Cecco, La Torrente, Cirio –, as alcaparras conservadas em salga, as azeitonas de Gaeta… produtos italianos difíceis de encontrar até mesmo em uma cidade tão grande e italianófila como Barcelona. “O que mais me pedem são os produtos italianos, e também é o que mais gosto”, diz Mubarak. “Especificamente os espaguetes.”

Os produtos internacionais não são a única especialidade deste supermercado. Também têm muito destaque os leites vegetais – mais de cinquenta variedades –, os produtos sem glúten e os orgânicos. “Tenho todo o produto orgânico que posso porque as pessoas pedem e porque acredito que tudo deveria ser assim”, explica Mubarak. Também procura evitar os produtos com óleo de palma (azeite de dendê).

Os produtos internacionais não são a única especialidade deste supermercado. Foto: On The Grid.

 

Arroz arbóreo do Piemonte italiano. Foto: Laura Conde.

Além do vasto sortimento de produtos, uma das razões do triunfo do supermercado de Mubarak e Haroon é o preço. Em geral, tudo o que você puder encontrar no B.H.G. Supermercat del Món está muito mais barato que em outras lojas com oferta similar. “Quero vender para mais gente, embora ganhando menos. Assim as pessoas voltam”, diz Mubarak. E como voltam. Mubarak conta que tem clientes de Madri e Múrcia que compram dele quando visitam Barcelona.

Enquanto conversamos, entra um menino que está procurando chá vermelho. Mubarak o conhece e o trata com familiaridade. Ele e seu irmão são dois sujeitos amáveis e atentos, dois trabalhadores – confessa que os três primeiros anos foram muito duros –, que conhecem os clientes por seu nome.

Supermercado do mundo, embora não o pareça. Foto: Jordi Luque.

É curioso, penso. Mubarak parece encarnar aquela máxima tão barcelonesa de ‘volta el món y torna al Born’ – viaja pelo mundo e volta ao Born (um bairro de Barcelona). Mas quem dá a volta ao mundo é o seu supermercado, e ele não pode voltar porque nunca foi: ele é de Barcelona.

***
Por Jordi Luque no El País.

 

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