Não é todo mundo que tem um tio-avô excêntrico, que foi o precursor das pichações não apenas em São Paulo, mas em todo o país.
Sim, meu tio-avô Antenor Lara Campos, vulgo Tozinho, foi um playboy, campeão de halterofilismo, motonáutica e também dava seus pitecos tocando bateria e pistom e pilotava sua HRD inglesa 1000 cilindradas. Mas sua grande paixão era uma só: a criação de cão fila brasileiro, que difundiu como ninguém pichando os muros mais inusitados com os dizeres “Cão Fila K26”.
Estávamos nos anos 70 e os milicos no poder ficaram encasquetados com aquele código, que deveria ser alguma mensagem política, até que conseguiram prender Tozinho. Com seu porte atlético, tipo armário, feio de rosto, sempre com as roupas simples que ficava na chácara e bonezinho para tapar as feridas de um câncer que teve na cabeça, ele precisou se explicar.
Tio Tô mostrou para os milicos que sua paixão era tornar o seu Cão Fila mais popular que banana, mais conhecido que Casas Pernambucanas, à época, sua concorrente na tinta e no pincel nos muros do país. Ele tinha uns 200 cachorros na sua chácara que ganhou o apelido de Ilha do Sabiá, e era situada no quilômetro 25 da Estrada de Alvarenga, ao lado da Billings. O “K26” das pichações era invenção dele.
Esse tio sui generis dava festas nos anos 60 que, na gíria de então, eram do balacobaco. Numa delas baixou polícia, pois houve a suspeita de que não era uma simples Anuário 77/78.festa de amigos, mas uma orgia monumental. E lá foi ele se explicar. Tendo conhecido a peça rara que era esse tio, fico imaginando como ele se defendeu do flagrante.
Sua paixão pela propaganda das feras de quatro patas que criava fez com que esse figuraça, fora dos padrões convencionais, recebesse uma homenagem, e o Anuário Brasileiro de Media 77/78 teve a capa com sua inscrição Cão Fila K 26, tal era o impacto da nova mídia. Para se ter idéia, até hoje essa publicação é cobiçada pelos garotos dos grafites e pichações, tanto é que vi um exemplar sendo comercializado no Mercado Livre.
Lembro-me de eu menina na casa de minha avó, quando ele chegou com um braço enfaixado e contou que fora atacado ao ir tratar de uma fêmea com crias. A cadela ficou uma fera, abocanhou seu braço e para se desvencilhar dela ele precisou pegar um pedaço de ferro e abrir a bocarra daquela cachorra e, assim, se livrar da mordida. Foi um sustão, mas ele não dava bola, era um apaixonado pelos animais que criava.
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Marina Bueno Cardoso é Jornalista, trabalhou na imprensa em SP e na área de Comunicação Corporativa. Autora do livro “Petit-Fours na Cracolândia”, Editora Patuá. Publica crônicas quinzenalmente no São Paulo São que são replicadas no site literário www.musarara.com.br
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