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Quem entra na casa do jornalista Alex Branco, 60 anos, logo percebe que ali mora alguém com um estilo de vidaque destoa do urbano tradicional. No quintal, ele mantém um tanque com três carpas e mais de 40 pequenos peixes da espécie kinguio. Uma pequena ponte que atravessa o tanque leva a um banco de madeira que, à sombra de umaárvore da rua, cria o cenário perfeito para uma leitura ou uma esticada nas pernas no fim da tarde.
Mas o tanque é só o cartão de visitas da casa de Branco, um pedacinho rural no bairro da Lapa, na zona oeste de São Paulo. Desde os 25 anos de idade, o jornalista é um hortelão urbano.
Hoje, cultiva mais de 100 espécies vegetais, espalhadas por vários cantos, corredores e paredes de sua casa. A filosofia dele é simples e é aplicada com afinco: “O objetivo é aproveitar todo o espaço e tudo que puder ser plantado ou usado”, diz, apontando um cogumelo espontâneo que nasceu junto a um pé de alface.
plantação-morango-horta-urbana-casa-são-paulo-alex-blanco-cidades-verdes (Foto: Lucas Alencar/Ed. Globo)
A horta de Branco é diversa e extensa: uvas, limões, mexericas, caquis, cebolinhas, cerejas, beterrabas, morangos, salsinhas, salsão, rúcula, cenoura, orégano, tomilho, tomatinho, repolho, escarola, alface, capuchinho, taioba, mostarda, lavanda, alcachofra, mamão, pimenta, chuchu, berinjela, espinafre, alho porró, almeirão e couve são apenas alguns dos vegetais cultivados por ele. “Dá para fazer salada todos os dias”, conta, sorrindo.
O jornalista não consegue calcular quanto economiza por mês com o cultivo caseiro, mas garante que suas verduras são “as mais caras do planeta, mas as mais felizes”. “Não produzo em escala, para vender, então a produção é cara. É preciso capinar, cuidar, irrigar. Também não uso veneno para acabar com pragas, tento tirá-las na unha. Dá trabalho, mas o prazer de comer as coisas que eu mesmo produzo não tem preço”, explica Branco.
irrigação-gotejamento-horta-urbana-sao-paulo-cidades-verdes (Foto: Lucas Alencar/Ed. Globo)
Em tempos de pouca chuva, para conseguir irrigar as inúmeras hortas espalhadas pelo quintal, ele instalou um avançado sistema de irrigação, que capta água da chuva – armazenada em uma caixa d’água – ou retira água de um poço artesiano, também construído por ele mesmo. A água é distribuída por mangueiras, como em um sistema de gotejamento.
Branco calcula que já tenha investido cerca de R$ 2 mil com a compra das bombas, encanamentos e caixa d’águapara o sistema.
Nem ele mesmo sabe de onde veio essa vontade de cultivar e a relação com a terra, mas consegue expressar a importância que o contato natural tem em sua vida: “Plantar, cuidar, ver crescer e colher é um ciclo prazeroso. Já faz parte da minha rotina e, se eu não fizer isso, não vou me sentir completo. Além de terapêutico, essa atividade é essencial para a minha saúde mental”, contou o jornalista, que gasta cerca de oito horas semanais com sua horta.
Animais na casa
galinhas-aves-alex-sao-paulo-cidades-verdes (Foto: Lucas Alencar/Ed. Globo)
Filomena e Petrolina são duas das galinhas (um grupo de quatro), que produzem ovos diariamente na casa (Foto: Lucas Alencar / Ed. Globo).
O pedacinho rural no meio da cidade que Alex Branco criou não é composto apenas por espécies vegetais. Nove gatos convivem pacificamente, em harmonia e preguiça com as mudas. Além dos felinos, ele ainda cria sete galinhas, de quatro raças diferentes.
Em um galinheiro suspenso, localizado acima das hortas, também construído por ele, as aves – todas com nomes, de Filomena a Petrolina – produzem uma média de quatro ovos por dia.
Todo o chão do espaço é coberto por palha de arroz, usada por Branco para envolver os excrementos das aves, que depois são depositados junto a restos de comida em um minhocário divido em três andares, que produz húmus e biofertilizante líquido natural, despejados pelo hortelão no solo onde crescem as mudas, reiniciando todo o ciclo. “Nada se perde, nem nada se cria. Tudo se transforma”.
Lucas Alencar e Viviane Taguchi no blog Cidades Verdes.
A relação entre a exposição que esteve na Bienal de São Paulo e a que agora se mostra em Serralves, naquela que é a primeira itinerância europeia da bienal brasileira, “é como a de um vinho e uma aguardente: têm sabores diferentes, mas percebe-se a ligação”, diz o escocês Charles Esche, um dos curadores de Como (…) coisas que não existem, que esta sexta-feira se inaugura no Museu de Serralves, onde permanecerá até 17 de Janeiro do próximo ano.
Apresentando 28 artistas e colectivos, dos 75 que puderam ser vistos em São Paulo entre Setembro e Dezembro de 2014, a montagem da exposição em Serralves implicou mostrar cerca de um terço das obras num espaço dez vezes mais pequeno. Uma restrição que se revelou positiva: “Acho que o sabor aqui é mais intenso”, assegura ao Público, Charles Esche, um dos três curadores — os outros são Galit Eilat e Oren Sagiv — responsáveis pela selecção de obras agora mostrada no Porto.
Com uma fortíssima dimensão social e um óbvio desejo de denunciar os efeitos mais negativos da globalização ao mesmo tempo que imagina e pensa outros possíveis, a exposição “conta sensivelmente a mesma história no Brasil e em Portugal”, diz ainda Esche, mas observando que a necessidade de adequar as peças à arquitectura de Siza Vieira gerou diálogos entre determinadas obras que não existiam em São Paulo.
O curador confessa ainda não ter ficado “totalmente satisfeito” com as obras que resultaram de algumas das encomendas feitas para a bienal paulista, e nota que os curadores tiveram agora a possibilidade de escolher a partir de peças que já conheciam.
O texto que Esche e Eilat escreveram para o livro que Serralves editou para acompanhar a exposição — e que se afasta um tanto do catálogo convencional, incluindo não apenas textos críticos, mas contribuições heterogéneas de vários dos artistas representados —, enuncia com invulgar clareza a convicção de que a arte pode mesmo ajudar a mudar o mundo.
Vendo neste início do século XXI “uma época de decepção”, os curadores observam que “os movimentos de oposição estão a ganhar força colectiva, mas terão ainda de apresentar uma narrativa alternativa convincente”, e que, por agora, “a indecisão e o medo dominam tudo e todos”. Mas admitem haver motivos para esperar que “uma grande transformação” venha a “ocorrer mais cedo ou mais tarde”, o que tornaria “urgente” existir, argumentam, “capacidade da imaginação para preparar o terreno”, algo que “a arte no seu melhor pode realizar”.
"Como (...) Coisas Que Não Existem" - Uma Exposição a Partir da 31.ª Bienal de São Paulo.
Petição ao Papa
Uma das mais sedutoras obras presentes nesta exposição, com a sua mistura de crítica e humor, é Errar de Deus, uma instalação do colectivo argentino Etcétera que parte da obra de León Ferrari e utiliza algumas das peças deste artista iconoclasta desaparecido em 2013. Ferrari foi censurado na Argentina pelo então arcebispo Jorge Bergoglio, o actual Papa.
Numa sala rodeada por imagens alusivas à devastação dos recursos naturais na América latina, uma bancada vermelha com telefones permite aos visitantes ouvir as conversas de deus com o Papa, Angela Merkel e vários outros interlocutores. Uma ideia inspirada num livro de Ferrari em que este colava trechos bíblicos a notícias de jornais e outros textos, criando diálogos inesperados.
Uma vitrine expõe os divertidos objectos criados por Ferrari, que associam uma estética de brinquedos de bazar a mensagens por vezes bastante violentas, de um Jesus guiando um tanque a Hitler apanhado numa dessas ratoeiras clássicas que aparecem nos desenhos animados de Tom e Jerry ou Speedy Gonzales.
Numa parede, recolhem-se assinaturas para uma petição, a ser entregue ao papa Francisco, pedindo a abolição definitiva do Inferno. Novamente, trata-se de recuperar uma iniciativa original de Ferrari, que escreveu duas vezes a João Paulo II a solicitar-lhe que extinguisse esse local de eternos suplícios. Federico Zukerfeld, um dos elementos do colectivo Etcetera, argumenta que num mundo onde a tortura está ainda hoje tão presente, o Papa deveria decidir se a religião é “um aparelho de guerra e tortura ou uma fonte de libertação”.
A ideia de criar coisas que (ainda) não existem, está bem representada logo na primeira sala do percurso expositivo, onde uma obra da chinesa Qiu Zhijen — enormes mapas que não cartografam apenas lugares, mas também ideias e emoções — convive com uma instalação resultante do trabalho conjunto de crianças e adultos envolvidos num projecto com refugiados palestinianos e moradores de uma favela brasileira.
Noutra sala, uma floresta suspensa de acrílicos figurando um arquivo de documentos da CIA sobre a ditadura brasileira, concebida pela chilena Voluspa Jarpa, dá o tom a várias obras relacionadas com o passado colonial e a heranças das ditaduras latino-americanas.
Com uma forte representação brasileira, mas incluindo também artistas das mais diversas proveniências — da Argentina ao Chile e à Colômbia, de Portugal e Espanha à Itália ou Polónia, de Israel e da Palestina à Turquia ou à China, esta é uma exposição que lida abertamente com os conflitos do presente, da destruição de património no Médio Oriente às tensões russo-ucranianas. Mas Charles Esche prefere falar da sua dimensão “social”, e “não tanto política”, pelo menos em sentido mais estrito, até porque, recorda, o historial de violência na América Latina não é apanágio exclusivo da direita.
Sintomaticamente, o percurso acaba no Inferno, título de um filme de Yael Bartena que mostra a inauguração de uma réplica do templo de Salomão em São Paulo, construída pela Igreja Universal do Reino de Deus com pedras vindas de Israel.
Luís Miguel Queirós no Público.
“Era o Hotel Cambridge” superou o chileno ‘Aquí no ha pasado nada‘, de Alejandro Fernández Almendres; ‘La emboscada‘, coprodução argentino-uruguaia, de Daniel Hendler, e ‘Princesita‘, de Marialy Rivas, produzido por Chile, Argentina e Espanha. Também disputavam o prêmio o chileno-argentino ‘Rara‘, de Pepa San Martín, e ‘Sobrevivientes‘, dirigido por Rober Calzadilla e produzido por Venezuela e Colômbia.
Cinema com Arquitetura
O longa-metragem é uma ficção cujo tema é a convivência entre os moradores sem teto e os refugiados em uma ocupação num abandonado hotel no centro da cidade de São Paulo. O filme foi rodado em dezembro de 2014 e está em fase de finalização.
A diretora Eliane Caffé optou por processos colaborativos de criação entre a direção do filme, o movimento de luta por moradia FLM / MSTC, os refugiados e a Escola da Cidade. Um delicado exercício entre as fronteiras da arquitetura e do cinema, tanto na execução do filme como na trama do roteiro. A diretora de arte Carla Caffé convidou 21 alunos da Escola da Cidade e o professor Luís Felipe Abbud para desenvolver a arte do filme.
Durante seis meses os alunos conviveram intensamente na ocupação e após entenderem o movimento, o edifício e suas particularidades, desenharam os cenários que foram executados de modo a também equipar as áreas comuns da ocupação.