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Como ouvir os alunos de 4 e 5 anos transformou uma escola pública de São Paulo
Uma pista de triciclos e bicicletas – com direito a pequenos guardas para controlar o trânsito – circunda uma grande horta. De um lado, um gramado com árvores e brinquedos. Do outro, pista de carrinhos e parquinho sonoro. Ao fundo, uma quadra de futebol, com assentos feitos de tocos de árvores para que torcedores acompanhem as partidas completa a área de lazer.
Parece um parque, mas não é. É neste ambiente em que os 234 alunos da Escola Municipal de Educação Infantil Dona Leopoldina, na Zona Oeste de São Paulo, brincam, aprendem e se desenvolvem. Tudo feito com a colaboração direta dos alunos de 4 e 5 anos.

A experiência vai além de deixar a escola com cara de criança. A intenção é formar cidadãos melhor preparados para viver dentro de uma sociedade democrática. “Como se forma um cidadão que só estuda a cidadania no livro? Dentro de uma experiência que vai na contramão disso, em que não há canal de participação, baseada em relações autoritárias, que é o que predomina na imensa maioria das nossas escolas?”, questiona a psicóloga e mestre em Psicologia Escolar pela USP Beatriz de Paula Souza. Segundo a especialista, a democratização do ensino tem se popularizado, mas exige que a consulta aos alunos não seja somente demagógica, mas busque transformações.
Na Emei Dona Leopoldina, o protagonismo dos alunos não é vista somente no Conselho de Criança. Na hora do lanche da tarde, as crianças podem comer quando quiserem, as salas de fantasias e ateliê de artes – com muito material reciclado, canetinhas e lápis, tintas e colas – ficam destrancadas, mas não há bagunça. As crianças passaram a considerar o ambiente também como sendo de responsabilidade delas. “A gente subestima muito a capacidade das crianças. Elas sabem o que querem, o que fazer, aonde querem ir”, afirma a coordenadora pedagógica.
"Quando os pais sabem o que acontece na escola, eles amam o projeto. Mesmo que por vezes fiquem desesperados com as decisões, como quando decidimos que as crianças poderiam subir em árvores ou quando acabamos com a soneca . Por isso, nós levamos as discussões do Conselho de Criança para o Conselho de Pais. E depois volta para as crianças. E eles se aprendem a respeitar”, afirma a diretora da escola.
O resultado é claro. Os pais passam a dizer que as crianças são mais reivindicadoras, dialogam mais e argumentam melhor. “As crianças se apropriam da oralidade e aprendem que através do dialogo conseguem se comunicar e mostrar seus desejos”, disse a assistente de coordenação, Simone Cavalcante.
Um desses desejos é, inclusive, continuar a fazer diferença nas escolas por onde passam. Márcia lembra com carinho de um ex-aluno que veio pedir que ela conversasse com a diretora da nova escola, já que a diretora “não conseguia resolver os problemas da escola”. “É muito gratificante, mas ao mesmo tempo ficamos até um pouco tristes, porque gostaríamos que todas as escolas tivessem o mesmo trabalho com as crianças”, afirma.