Crônica para uma bicicleta roubada

Como a Magrela é uma parceira de todo dia, eu posso dizer que muitas vezes sentia como se minhas pernas e pés fossem como rodas e pedais. Ao pedalar sentia o vento no meu rosto, com meus fones de ouvido tocando a música perfeita, me dando a indescritível sensação de liberdade depois de um dia cansativo. No entanto, neste momento, já não podia ter mais essas sensações. Elas foram tomadas de mim.

Neste momento, eu tinha perdido minhas rodas e pedais e sem o vento em meu rosto, eu me sentia completamente perdido. Agora em vez de andar de bicicleta, eu ia a pé. Sem a sensação de liberdade, meu coração doía. O choro quando veio era como de uma criança, aquele choro sentido. Me fez lembrar um sábio ditado: “Suas coisas são uma extensão de você”. O ladrão tinha furtado parte de mim.

Achei difícil de acreditar como tinha sido tão ingênuo, acreditando que nada de ruim poderia acontecer comigo, que eu era imune a desonestidade: mas eu era mesmo? Ser honesto não nos dá imunidade contra a desonestidade alheia, mas me perguntei várias vezes: por que eu? Embora a dor fosse diminuindo com o  passar dos dias, eu não estava preparado para desistir de fazer o possível para recuperar parte de mim, minha extensão. Eu insisti em fazer tudo ao meu alcance para encontrar a Magrela, fui a delegacia, postei nas redes sociais e mantive a esperança de encontrá-la.

Foram dias difíceis! Enquanto caminhava onde antes eu tinha tido a alegria de pedalar me fez perceber a cada dia como a Magrela tinha realmente se tornado parte de mim e quanto estava perdido sem ela. Quanto mais falta fazia mais eu amaldiçoava o ladrão, mas o que mais eu poderia fazer? O que qualquer um de nós pode fazer quando roubam algo nosso, mesmo quando temos a imagem do ladrão escancarada em uma tela de segurança? 

Quanto mais falta fazia mais eu amaldiçoava o ladrão, mas o que mais eu poderia fazer? Foto: Emily Santos.Magrela não foi comprada com dinheiro, ela foi comprada com o suor do trabalho árduo. Fizemos esse trabalho juntos por isso ela merecia ter um design elegante e características especiais, mesmo atraindo um ladrão mais facilmente do que um modelo mais simples, eu merecia ela. Ela era uma recompensa para o início da manhã e na volta para casa depois de um dia cansativo era como uma meditação em movimento. Ainda tenho esperança de encontrá-la. A imagem daquele ladrão está sempre na minha cabeça.

Os instintos caninos da Pipoca percebem também que algo está faltando e ao passearmos ela parece estar à procura junto comigo. Na esperança de que um dia eu possa recuperar a parte que me falta e com isso trazendo a felicidade de volta.  

Eu pensei que esse seria o desfecho triste dessa história. Mas hoje, três semanas depois, que  fiz o exercício de escrever e dividir esse episódio eu entro com um dos maiores e mais felizes “Plot Twists” da minha vida, EU ENCONTREI A MAGRELA, ou melhor, A GENTE SE ENCONTROU.

Descendo a Rua da Consolação, vejo dois rapazes andando e conversando numa boa. Até aí normal. Mas o que foi curioso, quase engraçado,  é que um deles carregava uma bicicleta exatamente igual a que tinha se sido roubada de mim em janeiro.

Meu coração parou por um momento e as batidas começaram a ficar mais fortes, como se ele quisesse saltar para fora do meu corpo. Parei e pensei “Talvez seja apenas uma coincidência, existem tantas bicicletas parecidas”. Porém, aquelas batidas do coração não poderiam estar enganadas. Respirei fundo e decidi seguir os rapazes.

Do outro lado da rua, ia acompanhando os dois e tentando identificar características que somente minha Magrela tinha, como marcas que adquirimos juntos durante todo o nosso tempo juntos. Ao ver o banco notei que era exatamente igual ao trocado por mim recentemente, os desgastes de tantas pedaladas e por fim um risco no amortecedor adquirido depois de uma queda. Aquele risco! Não me deixou dúvidas de que era ela quem eu tanto procurava.

Era a minha Magrela!!

Foto: Marcos Antônio.

Eu não podia simplesmente abordar aqueles rapazes! Precisava da ajuda de algum policial, mas não havia nenhum ao meu redor. Fechei o olho e pedi “Deus, me mande uma viatura por favor”! Eu abri os olhos e vi uma sirene, não podia acreditar. Sim, era uma viatura da polícia civil. Acenei com a mão solicitando ajuda. Pararam o carro e eu disse “Aquela bicicleta é minha!” e o policial responde: “Se é sua, então vamos recuperá-la.”

Os policiais abordaram os rapazes e um deles alega que comprou por R$ 600,00 de um nigeriano. Respondo emocionado: “Sinto muito, mas ela é minha!

Fiz todos procedimentos necessários e pude ter a parte que me faltava volta.

E agora sim termino esta história com um final realmente feliz!

***
Marcos Antonio mora em São Paulo e trabalha como passeador de cachorros, amigos especiais, há mais de dez anos. Com este trabalho pôde investir no seu desenvolvimento pessoal e profissional. Está cursando engenharia mecânica na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Além disso, estuda inglês e está aprimorando a redação com um mentor e grande amigo.

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