Mas pode ficar tranquila, Madonna, que estamos ainda bem longe daquele normal do século passado… Ops, de dois meses atrás, na verdade. Estamos indo devagar e acho que nada será como antes, amanhã. Mas que é bom dar uma desconfinadinha, isso é…
Ainda não podemos nos reunir em grupos de mais de 10 pessoas, mas isso eu pouco fazia naquele tempo normal… Funerais só com a família, doentes obrigatoriamente em confinamento e apenas 5 pessoas a cada 100 metros quadrados nos ambientes fechados. As missas ainda estão proibidas até o fim de maio, mas é possível ir à praia. E me desculpem os mais ortodoxos, mas existe maneira mais simples de estar em contato com o divino do que diante da imensidão do mar, numa praia ainda deserta? Os transportes públicos devem rodar com até dois terços da capacidade. E todo mundo de máscara nos bondes, ônibus, metrô e trem.
As atividades esportivas individuais ao ar livre estão liberadas, o que é praticamente uma nova vida para quem tem filhos pequenos gastando toda a energia sem fim dentro de casa, correndo da sala para o quarto, pulando no sofá, rolando pelo chão. Saí para pedalar com o meu filho assim que abriram as porteiras, os dois se exercitando individualmente, por acaso um perto do outro (claro, mantendo a distância socialmente recomendada agora…). Pois é, o ciclismo é um esporte individual, se não estiver pedalando um modelo tandem, não é? O futebol profissional também deve voltar, mas só no fim do mês. Praia, como disse, já está com ondas estourando na areia. Só falta combinar com o sol…
As escolas ainda estão fechadas, o que tem sido ótimo para o meu desenvolvimento educacional. Assisto às aulas pela televisão todos os dias de manhã com o meu filho e já sei o que são palavras esdrúxulas, graves e agudas. (Re) lembrei a tabuada e estou quase decorando os nomes de todos os distritos de Portugal continental e de todas as ilhas dos arquipélagos da Madeira e dos Açores. As primeiras turmas que devem voltar para as salas de aula, a partir do dia 18 de maio, são os últimos anos do equivalente ao nosso ensino médio. Em junho, será a vez das creches e das pré-escolas. Ah, todos com máscara, com exceção dos pimpolhos da pré-escola e do jardim de infância. Quem tem “miúdos” nessa faixa etária sabe bem que a obrigação não pegaria com esses jovens “estudantes”.
O comércio local, com lojas de rua de até 200 metros quadrados, já pode abrir, mas sempre a partir das 10h e só deixando entrar gente mascarada. Não é permitida a permanência de muita gente dentro das lojas (na verdade, ainda não tem mesmo…) e as regras de higienização e limpeza ocupam várias páginas dos planos de contingência de cada uma delas. Quase que ambiente hospitalar. Livrarias também podem voltar aos negócios, mas nem todas reabriram. A maior parte das Bertrand de rua voltaram à rotina (quase) normal. A icônica Lello, no Porto, por outro lado, ainda está de portas abaixadas, sem data para abrir, conforme comunicado no website da livraria. Bibliotecas também podem receber seus usuários, mas cinemas, teatros, auditórios e salas de espetáculo só a partir de junho. E, claro, com lugares marcados, capacidade reduzida e distanciamento entre as pessoas. Show pra dançar juntinho? Humm… acho que realmente não teremos uma vida tão normal assim. E, pensando bem, rostinhos colados de máscara nem é tão romântico mesmo.
Cabeleireiros, manicures e barbeiros podem voltar para as tesouras, alicates, pentes, para alívio, principalmente, das raízes brancas, das cutículas, do esmalte descascado, das costeletas e nucas aparadas. Mas atendimento apenas com hora marcada e todos devidamente vestidos, ou seja, máscara no rosto, o que é um problema para quem quer fazer a barba.
E as comidas? Pensar em Portugal e não falar em bons restaurantes é quase impossível. Mas, por enquanto, bacalhau, rojões e companhia apenas para viagem. Padarias, ufa, estão funcionando, mas a gente entra com uma certa cerimônia, com cuidado, máscara, pede de longe, tenta não pagar com dinheiro e só sai com pães e similares. Aquela mesinha no salão pra pedir um galão e uma tosta mista não está mais lá. Mas já já voltam. A partir do dia 18, os restaurantes, cafés e pastelarias (algo como as nossas padarias) retornam à vida normal (calma, Jane Fonda. Não é “aquele” normal), mas com redução no horário de atendimento, capacidade reduzida pela metade e algumas outras determinações específicas para o setor. Ah, mas diga lá: não vai ser bom dar aquela desconfinada com a companheira amada pra encarar um bacalhau com broa e uma bela taça de vinho num ambiente quase exclusivo?
Tudo vai voltar a ser como o “normal” daquele longínquo mês de março de 2020? Acho que não mais. Mas não vejo a hora de colocar o filho de volta na rotina da escola, esquecer as aulas pela televisão e, finalmente, dar uma bela “desconfinada” com a minha mulher, nem que seja no bom e velho balcão de uma padoca, encarando uma nata com uma meia de leite.
Leia também: Cuidado com os sapos!
***
Marcos Freire mora com a família em Ovar, Portugal, pequena cidade perto do Porto, conhecida pelo Pão de Ló e pelo Carnaval. Marcos é jornalista, com passagens pelas principais empresas e veículos de comunicação do nosso país. Escreve quinzenalmente no São Paulo São.