Diversidade e humanidade em nós

Muitos curiosos passaram por ali, muitas vezes somente olhando, outras perguntando sobre o que nós estávamos fazendo ali e compartilhando algumas coisas de suas vidas. Uma velhinha me indagou se seria interessante levar a jovem que estava com ela e iria prestar vestibular no dia seguinte para comer no centro do pátio do colégio. Um casal formado por uma brasileira e um inglês estavam atrasados para seu vôo, mas trocaram algumas palavras conosco ao cruzarem nosso caminho. Um grupo de turistas estrangeiros também demonstrou interesse em saber mais sobre o projeto em meio ao seu tour pela avenida paulista.

Foto: Divulgação.

Essa diversidade é muito importante para treinar a escuta porque é desconfortável lidar com o diferente. Tendemos a querer narcisicamente estar perto de semelhantes. Se é pelo olhar do outro que nos reconhecemos, segundo o filósofo Jean Paul Satre, então escutar o outro é reconhecer em si mesmo falas parecidas. Porque o morador de rua, a velhinha, os gringos, o homem do Pará e eu temos todos histórias de vidas, desafios e alegrias diferentes, mas na nossa humanidade temos pensamentos, sentimentos e emoções muito similares. A escuta é exatamente reconhecer essa humanidade em comum. E quando a reconhecemos, tanto quem escuta, quanto quem fala percebe que não está sozinho diante de situações da vida que muitas vezes nos parecem muito difíceis, até intransponíveis. Foto: Divulgação.

Nesse processo de escuta percebemos também o quanto de preconceitos são criados socialmente e culturalmente. O sofrimento que inicialmente nos parece psíquico, advém muitas vezes de concepções criadas. Ao assistir uma palestra com um psicólogo negro sobre representatividade fiquei impactada por uma frase dita por ele: “Não nascemos negros, nos tornam negros”. Ou seja, existem criações sociais que nos catalogam e nos aprisionam  em papéis que na maior parte das vezes não desejamos representar. E como fazemos então para ter uma escuta ativa e não cair nesses julgamentos que fazemos dos outros e de nós mesmos?

Essa é uma pergunta complicada de responder, porque fomos condicionados a apenas falar sobre nós mesmos e ouvir o outro apenas superficialmente para o que nós precisamos saber o suficiente para responder, apontar algo ou criticar. Escutar o outro efetivamente e verdadeiramente requer desfazer-se do nosso ego, da necessidade de mostrar que somos melhores ou ainda que somos donos da verdade e temos a solução para a vida do outro. É preciso humildade para reconhecer que somos apenas um ser humano diante de outro, que não é nem melhor, nem pior, apenas encontra-se em uma circunstância diferente de vida, seja economicamente, culturalmente, socialmente, etc.

A ONG Sidewalk Talk em ação de escuta em calçada da cidade de Reno, EUA. Foto: Divulgação.

Começar a escutar de verdade também me remete ao passado ao me questionar se em tantas conversas ao longo da minha vida com amigos, família, colegas de trabalho, namorados e estranhos eu consegui escutá-los. Acredito que a resposta seja não provavelmente e por isso tenho muito a aprender com esse projeto e com todas as pessoas que cruzam meu caminho através dele. A escuta é o objetivo principal, mas ela é apenas a porta de entrada para muitas outras coisas boas que acontecem com quem está envolvido no projeto, seja escutando ou falando. 

Reconhecimento, alívio, leveza, acolhimento, contentamento, admiração, empatia são apenas algumas percepções  que resultam dessas conversas de rua. É uma sensação muito boa saber que existe a possibilidade de alguém ter vivenciado isso ao ser escutado por mim e se ao menos uma pessoa achar que eu pude ajudá-la a  sentir-se melhor, o objetivo já foi cumprido. Queremos oferecer escuta e desejamos que esta escuta ativa permita que as pessoas fiquem bem, enxerguem elas mesmas suas potencialidades e possibilidades. Atuamos como um simples mediador para que elas escutem sua própria voz e reconheçam sua humanidade.

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Por Luisa Pascoarelli do Sidewalk Talk – Conversas na Calçada. A ONG publica artigo quinzenalmente no São Paulo.

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