Drauzio Varella, em paz na corrida e na correria

Um amigo que começou a correr e se livrou do estresse. Outro que perdeu peso e está muito mais disposto, cheio de energia. Relatos positivos de quem adota a corrida como atividade física regular não faltam. Você até já tentou, comprou um par de tênis e arriscou ir para a rua (ou esteira), mas logo perdeu o ânimo típico dos iniciantes. Além disso, “correr para lugar algum não faz muito sentido”.

São inúmeras as desculpas de quem não consegue se livrar da vida sedentária. O joelho dói. É difícil sair mais cedo da cama. É impossível achar tempo na rotina apertada de trabalho. Já passei da idade de começar. Pois o médico oncologista Drauzio Varella derruba todas elas ao longo das 208 páginas de seu novo livro, “Correr – O Exercício, a Cidade e o Desafio da Maratona”, o 13º de sua carreira de escritor.

Em tom mais de bate-papo com um amigo que descobriu há 20 anos o prazer de correr do que de médico prescrevendo saúde, Varella divide com o leitor a própria experiência. Ele decidiu correr sua primeira maratona quando já estava prestes a completar 50 anos. Cruzou com um ex-colega de escola, dele ouviu um “você está chegando à idade da decadência do homem” e resolveu provar a si mesmo que decadência era uma palavra que não cabia em seu estilo de vida.

“Quem consegue correr 42 quilômetros deve ser capaz de encarar o futuro com mais otimismo e sabedoria”, ele escreve nas primeiras páginas do livro – e mostra, ao longo dele, quanto isso realmente tem de verdade. Menos de um ano mais tarde, em novembro de 1993, Varella estreava na distância, na Maratona de Nova York. A paixão foi instantânea – tanto que hoje, aos 72, ele já correu outras 19, incluindo a Maratona de Boston, a mais antiga e cobiçada do mundo por exigir tempo de qualificação do participante. “Parecia um sonho”, conta o médico, que participou da prova no ano passado. 

Foram experiências tão especiais que Varella dedica uma das cinco partes em que o livro é dividido às suas maratonas mais marcantes. Para quem já pratica corrida, principalmente os também maratonistas, é o capítulo mais emocionante de “Correr”. 

Quem já investiu meses de treinamento para cruzar a linha dos 42 quilômetros vai se identificar com cada gota de suor relatada pelo médico, cada dor na panturrilha, cada confissão da vontade de desistir, cada prazer de vencer o desafio. E provavelmente vai derramar algumas lágrimas quando ele descreve a sensação que teve ao correr em Chicago, em 2009, acompanhando a filha caçula, 32 anos mais jovem que ele, em sua estreia como maratonista. “Cruzamos a linha de mãos dadas, erguidas para o alto. Demos mais alguns passos e nos abraçamos. Se um pai disser que não chorou numa hora dessas, é desalmado ou mentiroso.”

As outras quatro partes são dedicadas aos primeiros passos de Varella na corrida, à história da maratona, aos treinos inusitados que o médico já fez mundo afora – como em uma pequena ilha de areia no meio do Rio Negro, onde desde 1993 ele coordena um projeto de bioprospecção de plantas – e aos encontros e descobertas que aconteceram ao longo de duas décadas de rodagem pelas ruas de São Paulo, cidade onde Varella nasceu e cresceu. 

Entre os relatos, há blocos curtos batizados de “intervalos”, nos quais o médico veste o jaleco branco e aborda questões de saúde relacionadas à corrida. Num deles, derruba com dados de pesquisas a tese (furada) de que os joelhos são destruídos no esforço dos 42 quilômetros (era essa a sua desculpa?). 

Ler Varella descrever sua rotina de trabalho e como, mesmo assim, ele consegue tempo para treinar – seja às 5 horas ou entre um e outro atendimento no hospital – é de deixar no mínimo envergonhado cada leitor que já usou a agenda apertada como desculpa para ficar parado. Além de oncologista, ele coordena o projeto no Rio Negro, para onde viaja regularmente, dá palestras, frequenta congressos internacionais, atende doentes em cadeias de São Paulo uma vez por semana, escreve uma coluna quinzenal em um jornal e outra a cada três semanas numa revista, publica livros, dirige um site com informações médicas, conduz séries educativas no “Fantástico”, da TV Globo e ainda arruma tempo para, além de treinar, conviver com a família.

“Controlar a ansiedade gerada por tantas solicitações, o estresse de atendê-las numa cidade como São Paulo, e manter o preparo físico necessário para os deslocamentos e as viagens de vai e volta em 24 horas que sou obrigado a fazer exige disciplina, equilíbrio psicológico e uma paz de espírito que só descobri ao correr”, explica. “Correr é experimentar a liberdade suprema, é voltar aos tempos de criança.” Depois de ler “Correr”, difícil, para o leitor, vai ser ficar parado. 

“Correr – O Exercício, a Cidade e o Desafio da Maratona”. Drauzio Varella. Companhia das Letras 208 págs., R$ 29,90.

Por Ana Paula Alfano para o Valor.

 

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