Frequentadores afirmam não estranhar a localização, que, em geral, passa despercebida. A exceção ocorre apenas na proximidade do Dia das Bruxas, quando a biblioteca promove o Sarau do Terror, espetáculo artístico que costuma arrastar 150 pessoas para o meio de sepulturas centenárias.
É nesse ambiente, que muitos associam ao medo, que Sidineia Chagas, de 25 anos, busca realizar um sonho: transformar Parelheiros em um grande polo cultural. Ativista em coletivos como o time de futebol Perifeminas, ela é a gestora da Caminhos da Leitura – que ajudou a fundar com a ONG Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (Ibeac). Sobre a experiência, ela já fez relatos em eventos de Brasília a Berlim.
“A biblioteca é a minha base, aqui temos sonhos coletivos. Minha missão daqui para a frente é ajudar a fortalecer outros grupos para atender as necessidades da região”, diz a jovem, que ingressou no projeto sob protestos de familiares, especialmente por, na época, estar grávida do filho Octávio Henrique, de 7 anos.
“Hoje eles participam também, mas, no início, eu sofria muita pressão para arrumar emprego, até porque não recebia apoio financeiro. Agora, eles entendem que aqui é o meu ativismo e a minha fonte de renda”, explica a jovem.
Paulistana, a garota se mudou para o bairro Colônia em 2004 após um episódio de violência envolvendo a família. Na biblioteca, ajudou a organizar o acervo de mais de 4 mil livros, dentre os quais estão obras de autoria de sua principal referência literária, Carolina de Jesus, escritora que, assim como ela, é negra e morou na região.
Aqui e ali
Hoje, além do cemitério, a biblioteca se espalha por três unidades básicas de saúde e no Casinha de Histórias, espaço criado há um ano em uma casa de Parelheiros. Além do empréstimo de livros, há atividades culturais e de formação, como sessões de cinema e oficinas de culinária – tudo organizado da forma acessível. “Os livros infantis estão em prateleiras baixas para incentivar a autonomia”, exemplifica o mediador de leitura Bruno de Souza, de 21 anos.
Segundo Bel Santos Mayer, coordenadora do Ibeac, o projeto tem o propósito de ser “democrático” desde o início, quando a ONG decidiu concentrar as ações em um único território. “Pesquisamos qual era o pior bairro de São Paulo para se viver. Pretendíamos mostrar que nenhum lugar é ruim de verdade, e os moradores nos buscaram porque também queriam potencializar as coisas boas daqui.”
Celeiro de coletivos
De dentro da biblioteca surgiram vários coletivos que investem em iniciativas no bairro. Um deles é o Sementeiras de Direitos, lançado em 2015, após casos de machismo em escolas. Na última quinta, o grupo se reuniu na Caminhos de Leitura para uma oficina de empoderamento feminino, com 30 moradoras. Além de palestra e vídeo, houve trocas de experiências.
A aposentada Ana Maria Conceição, de 67 anos, participa há dois meses. “Quando você chega aqui, está com a mente um pouco fechada, mas depois vai abrindo, clareando as ideias. Passei a ver o mundo de outro jeito.”
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Por Priscila Mengue em O Estado de S. Paulo.