Enquanto a economia brasileira sofre, a da favela floresce

Com cerca de 220 mil habitantes em uma área de apenas um quilômetro quadrado na periferia sul de São Paulo, a “cidade” de Heliópolis é uma selva de barracos que podem ter até quatro ou cinco andares.

Em uma tarde típica, as ruas de Heliópolis são tomadas por homens instalando sistemas de som automotivo, mulheres vendendo coxinhas recém fritas, irmãos dando um trato no visual na barbearia da rua. À noite, gente de toda a favela vêm para beber, comer e dançar ao som de funk e rap que sai das caixas de som que tomam os porta-malas dos carros.

A economia da favela não parou, graças a milhares de migrantes que deixaram regiões pobres do País em busca de trabalho na capital paulista.

Eles recomeçam a vida como cozinheiras, porteiros, domésticas ou operários. Não raramente, recebem menos que o salário mínimo (R$ 29,33 por dia), uma vez que a maioria recebe em dinheiro vivo, sem vínculo formal.

Empreendendo por necessidade

Os dois anos de severa recessão, somados a um aumento no custo de vida, levaram membros das classes mais baixas da população a virar empreendedores. Foi a forma que eles encontraram para, como eles dizem, “colocar leite na geladeira”.

Jamille Campos, 29, é uma dessas empreendedoras. Após trabalhar três anos como faxineira em uma pequena fábrica de silício para um patrão abusivo, ela decidiu ser a própria chefe.

Por anos, Jamille vendeu lanches e doces para complementar a renda, e queria expandir o menu para sanduíches de grelhados. Ela e o marido, Andeilson Araújo, compraram então uma nova geladeira e uma pequena fritadeira. Pagaram um vizinho para transformar a frente da casa em uma fachada de comércio.

No meio do ano passado, ela abriu o trailer de lanches, lucrando, em média R$ 1.200 por mês. Quatro horas de trabalho durante a hora do rush rendem mais que a jornada completa como faxineira.

“Não temos ambição de riqueza”, ela diz. “Ganhamos o bastante para pagar as despesas e comprar para a nossa filha o que ela quer.”

Grande parte dos chefes de família de Heliópolis são mães ou avós que mantêm três – por vezes, quatro – empreendimentos. Após voltar do trabalho, essas mulheres revendem produtos de beleza para amigos ou salões de beleza, vendem bolos na porta de casa, costuram e até criam produtos de limpeza orgânicos.

Enquanto a recessão força fábricas a demitirem e classes mais ricas a reduzirem o consumo, muitas, como Jamille Campos, focam em criar oportunidades econômicas dentro da comunidade.

A fachada da casa da pequena Carol, em Heliópolis, virou trailer de lanches administrado pelos pais, Adeilson e Jamille. Foto Katherine Jinyi Li / Plus55.

Sem medo dos riscos

E não é apenas Heliópolis que foi picada pela mosca do empreendedorismo.

De acordo com um estudo conduzido em todo o País, 40% dos moradores de favelas querem abrir o próprio negócio. A média nacional é de 23%. Entre os empreendedores, 51% são mulheres, e 73% se identificam como negros ou pardos.

“Classes mais pobres sempre correram riscos”, afirma o responsável pelo estudo, Dorival Mata Machado, presidente do Instituto Data Popular. “Elas não têm medo da recessão ou da dívida inerente ao empreendedorismo, uma vez que já estão acostumados a viver com pouco ou quase nada. A classe média, contudo, está acostumada com o conforto de ter uma poupança”, compara.

Da favela à novela

Investidores têm começado a notar o potencial econômico das favelas. Dino Oliveira, 48, que se considera como membro da elite, é um dos quatro investidores na construção do primeiro shopping de Heliópolis. O que era uma fábrica de papel abandonada vai virar um espaço para cem lojas (tocadas por residentes locais), brinquedoteca e uma praça de alimentação.

“A periferia urbana tem um imenso potencial de consumo, mas os investidores só notaram isso agora”, afirma Oliveira, dono de conjuntos comerciais no centro da cidade. “Enquanto bairros nobres e de classe média estão saturados de prédios comerciais, eles ainda estão em falta nas favelas.”

Apesar de ainda haver muito preconceito em relação a favelas, Oliveira acredita que a imagem dessas comunidades mudou após as novelas I love Paraisópolis e Babilônia, centradas nas favelas.

“De repente, as favelas entraram em nossas salas”, afirma Oliveira. “Gente que temia favelas agora diz que pode haver algo a ser descoberto ali.”

Oliveira afirma que o valor do metro quadrado em Heliópolis subiu de R$ 2 mil reais para R$ 5 mil no ano passado. Enquanto isso, o mercado imobiliário estagnou em partes mais ricas da cidade. O aluguel de um espaço comercial não sai por menos de R$ 120 o metro quadrado – mas o preço deve quase dobrar até 2019.

Jovem de Heliópolis mostra sua conta de $10 Helipas, moeda usada pela comunidade local nos negócios da vizinhança. Foto Katherine Jinyi Li / Plus55.

Valorização imobiliária

Viver em Heliópolis não é mais tão barato. A favela foi urbanizada, recebe água e eletricidade e está conectada à cidade por meio de linhas de ônibus e metrô. Quem quer alugar uma moradia de um quarto vai pagar pelo menos 800 reais – o dobro do preço praticado na Paraisópolis, a maior favela de São Paulo. E isso é sem considerar as contas água, luz e internet.

“Por falta de meios para alugar um espaço extra, muita gente está transformando a própria cozinha em restaurante, e salas em lojas”, afirma Angela Ferreira, presidente da Coopersol, uma cooperativa de economia solidária local.

O grupo Coopersol promove o empreendedorismo em Heliópolis por meio de feiras de artesanato e comida, além de oferecer aulas semanais de contabilidade e administração. A cooperativa planeja lançar um banco de microcrédito para ajudar empreendedores locais, além de criar uma moeda válida em Heliópolis – a ser usada apenas em negócios da comunidade.

O Brasil começa a olhar para as suas favelas. Com isso, talvez o País possa aprender algumas lições de negócios.

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Por Katherine Jinyi Li, no Plus55.
  

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