Bicicleta é bom para a saúde?
Parece que sim. Afinal, eu estou com 61 anos e comparo meu estado de saúde com o dos meus pares na medicina, que andam nos seus Audis, nas suas Mercedes. Minha conclusão é que ou o Audi faz muito mal ou a bicicleta realmente faz bem. Mas, falando sério, se você tiver um medidor de frequência cardíaca, fica fácil perceber os benefícios fisiológicos imediatos do ciclismo para o coração. Além disso, a bicicleta fortalece os grupos musculares das pernas e da bacia, que são muito importantes para você ter autonomia quando ficar mais velho. É essa musculatura que permite ao idoso caminhar sem tropeçar.
Sim, tem vários estudos médicos mostrando que o ciclismo, mesmo não profissional, aquele em que o indivíduo anda uma hora por dia, gera um aumento de expectativa de vida considerável. E a saúde não melhora só no aspecto cardiovascular e ortopédico, mas principalmente no mental. Quando Londres passou a cobrar pedágio de carros para circular no centro da cidade, um dos indicadores de saúde que tiveram mudanças mais robustas foram os de depressão. Porque o carro coloca você numa bolha de isolamento. As pessoas blindam o carro, escurecem o vidro, controlam o clima, escolhem o som, usam o GPS, mudam o cheiro com sachê – falta só inventarem o supositório veicular pra que o carro preencha todos os nossos orifícios. E isso desacopla o sujeito do convívio das pessoas.
Como especialista, você acha que as novas políticas de mobilidade em São Paulo, que buscam incentivar as bicicletas e a ida às ruas, terão algum efeito para a saúde pública?
Sem dúvida. Todos os estudos realizados no mundo indicam que o estímulo à mobilidade ativa têm um impacto positivo para a saúde, expressos em termos de redução das taxas de obesidade e melhoria da qualidade de vida. Além disso, a redução de carros nas ruas melhoraria o clima e reduziria a poluição, que é minha especialidade. Hoje, numa cidade como São Paulo, quando a umidade do ar baixa 30%, o risco de um idoso morrer de enfarte aumenta quatro vezes, por causa da poluição. Os médicos legistas não conseguem mais saber, na autópsia, se uma pessoa era fumante ou não – todos nós temos pulmão de fumante. Os altos níveis de ruído gerados por essa nossa opção pelo carro pioram a qualidade de sono e aumentam a mortalidade por pressão arterial e cardiovascular, além de estarem ligados a problemas de aprendizado nas crianças. Uma criança hoje não anda, não pedala, não joga bola – só se for no videogame. A violência urbana e as condições de tráfego que a cidade colocou fazem com que ela passe pelo menos uma hora e meia sentada num banco de carro entre ir e voltar da escola. Isso causa uma explosão da obesidade infantil e faz com que os custos de saúde pública disparem.
E como ciclista, como você avalia as novidades? São Paulo está mudando?
Tenho certeza que sim, e para melhor. Como ciclista há mais de 40 anos, sinto-me hoje muito mais seguro em fazer os meus deslocamentos, e isso acaba beneficiando todo mundo. Infelizmente, o debate atual sobre mobilidade e saúde na cidade está muito pobre, e muito contaminado pelo quadro macropolítico do Brasil.
Parece que as pessoas se acostumaram com o fato de que as cidades são feitas para os carros, e não para as pessoas…
Pois é, até as calçadas são projetadas para o carro não sofrer tranco no caminho para a garagem. O tempo da faixa de pedestre é controlado de forma que o fluxo dos carros seja maximizado. Eu disse ao antigo diretor da CET (Companhia de Engenharia do Tráfego) que eles podem mudar o nome para Companhia de Extermínio de Transeuntes. Todo ano, eu vou pesquisar na escola de saúde pública da Harvard, nos Estados Unidos. Lá é o contrário. Se eu quiser ir de carro, vou ter que pagar caro, porque Harvard não considera sua obrigação oferecer estacionamento. E o que é paradoxal nessa opção brasileira pelo carro é que, mesmo com todo esse esforço, com esse custo humano, a gente não ganhou mobilidade. Eu chego mais rápido à USP de bicicleta do que se eu sair de casa de carro e empato com o metrô.
Você sempre andou de bicicleta?
Sempre, desde moleque. Quando entrei na faculdade, eu não tinha nem idade nem grana pra ter carro, então eu ia para a USP de bicicleta. Era meio folclórico. Estávamos nos anos 70 e quem andava de bicicleta era pobre. Quando comecei a dar aulas, uma secretária me falou: “Professor, não venha mais de bicicleta a partir de agora”. Era um conselho bem-intencionado, que revelava a visão dela do que era ser um professor. Mesmo nas instituições de saúde, a visão da bicicleta ainda é muito caricata. Quando assumi a direção do Instituto do Coração, cheguei à porta do estacionamento com a bicicleta e me disseram que eu não podia parar ali. Num hospital especializado em coração, era proibido fazer exercício físico que promove a saúde do coração.
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Denis Russo Burgierman na Superinteressante. Foto: Bruno Fernandes.