Mas eis que, no meio do caminho, tinha uma pandemia para mudar o rumo da vida. E tanto o descarte quanto a coleta de lixo passaram a incorporar esses novos itens – máscaras, luvas, aventais, papéis, cartões – contados em milhões de unidades produzidas, distribuídas, consumidas e jogadas fora diariamente. Por aqui, cidade com cerca de 50 mil habitantes, nada se faz sem máscara. Ainda que grande parte das pessoas use máscaras laváveis, a quantidade das descartáveis de uso único é enorme. E, em alguns casos, cada pessoa pode usar mais de uma por dia. Se, por exemplo, dez por cento da população de Ovar descartar uma máscara diariamente, já temos aqui cerca de 150 mil máscaras por mês. E qual o maior problema: muitas delas acabam sendo jogadas na rua ou até mesmo na praia, onde já vi algumas. Mesmo os que querem fazer certo, muitas vezes se enganam e depositam as máscaras nos recipientes dos recicláveis, esquecendo que as máscaras, luvas e afins são lixo comum.
No final, além de colocar em risco as pessoas que fazem a coleta, ainda agregam dificuldades ao processo de separação do lixo. Recentemente, o governo fez uma série de comunicados nas redes sociais apelando para que as máscaras, luvas e lenços sejam jogados nos locais certos e não nos pontos de coleta de lixo reciclável. E as autoridades fizeram ainda uma importante ressalva: nas casas em que há pessoas infectadas, todo o lixo – mesmo aquele que seria normalmente reciclável – deveria ir para o lixo comum. Ou seja, o que era para ser reciclado acabou indo para os aterros sanitários ou incinerados, fazendo o processo andar na contramão do que é esperado (mais reciclagem, menos aterros). Além disso, os serviços de coleta nos pontos de descarte dos reciclados teve o ritmo reduzido, deixando lotados os grandes recipientes coloridos, o que acabou induzindo as pessoas a descartarem tudo no lixo comum.
E o impacto não é só ambiental. Os novos descartáveis “normais” tem tido um efeito negativo econômico grande também em alguns setores de serviços, principalmente. Barbeiros e cabeleireiros, por exemplo, usam o kit completo: máscara, luva e avental. Esta última peça também é utilizada para o cliente. E, de modo geral, vai tudo para o lixo após cada atendimento. O mesmo, com maior ou menor impacto, vale para bares e restaurantes, que passaram a ter um “almoxarifado” com uma lista muito mais ampla de produtos descartáveis. É um grande baque para o famoso “R” de reutilizar e um aumento gigantesco no lixo produzido. Quer mais lixo? o salto dado nos serviços de comida para viagem, os “delivery” da vida, também fez com que o número de caixas e caixinhas de papel e papelão tenha se multiplicado, tanto quanto os sacos plásticos. Nos hotéis e restaurantes, talheres ganharam embalagem individual plástica ou de papel, quando eles próprios – os talheres – não são descartáveis. Toalhas de mesa? Agora é toalha de papel, guardanapo de papel.
Somando todo esse novo contingente de descartáveis com o “desvio” do antigo reciclável pode ter virado lixo comum, os ambientalistas por aqui já duvidam que o país cumpra as metas de resíduos. Entre uma série de indicadores, um deles determina que até 2022 metade de todo o lixo recolhido no país deve ser reciclado. Ainda não dá pra afirmar se a meta será (ou não) cumprida, mas já há algum movimento para que os objetivos sejam alterados. Afinal, estamos voltando ao normal, mas não àquele normal do começo do ano, mas ao novo “normal”. Uma coisa, porém, não deveria mudar: jogar lixo na rua continua sendo o cúmulo. E quando esse lixo são máscaras e luvas, é ainda mais absurdo. Essa pandemia é mesmo um lixo, mas tem gente que não fica muito atrás…
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Marcos Freire mora com a família em Ovar, Portugal, pequena cidade perto do Porto, conhecida pelo Pão de Ló e pelo Carnaval. Marcos é jornalista, com passagens pelas principais empresas e veículos de comunicação do nosso país. Escreve quinzenalmente no São Paulo São.