Estatuto do Pedestre, a “constituição” que vai regular a experiência mais importante da cidade: andar a pé

A lei é muito bem-vinda, pois regulamenta aquilo que todo mundo já sabe e não pratica, nem fiscaliza: quem anda a pé tem prioridade sobre todos os outros tipos de modos de transporte.

Tudo o mais decorre desse princípio: qualidade das calçadas, iluminação, segurança, tempos de sinais, treinamento de motoristas, acessibilidade…

Será que uma lei a mais pode fazer a diferença em relação a tudo o que já existe?

O vereador responde: “A diferença é que, São Paulo terá pela primeira vez na cidade uma legislação que envolva todos os setores públicos responsáveis pela mobilidade a pé, ou seja, que cobra responsabilidades tanto da Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes, CET, SPTrans e concessionárias como Comgás, Eletropaulo, entre outras. Será a primeira vez que o pedestre será o centro, o foco, o receptor desses investimentos, esforços e ações.”

Ou seja, vale como uma carta de princípios, que deveria, em tese, ajudar qualquer gestor a tomar as decisões certas a respeito do pedestre e tentar fazer órgãos que não se conversam trabalhar juntos.

A lei 617/2011 ( http://documentacao.camara.sp.gov.br/iah/fulltext/substitutivo/SPL0617-2011.pdf) contou com contribuições de várias organizações, principalmente o Cidade a pé e a Comissão Técnica de Mobilidade a Pé e Acessibilidade da ANTP.

Conheça, a seguir, os pontos principais do Estatuto do Pedestre, destacados pela assessoria do legislativo, e um comentário sobre cada um.

1 – Financiamento

Com a aprovação do Estatuto do Pedestre, as ações de melhoria da mobilidade a pé passam a receber recursos de fundos municipais como o Fundurb. Também garante recursos para a mobilidade a pé em Operações Urbanas, Concessões Urbanísticas, áreas de intervenção urbanísticas e áreas de estruturação local.

Comentário: Se há dinheiro para as ruas, deveria haver para as calçadas, que, no fundo no fundo, são um pedaço do mesmo objeto. Porém, é crônica a falta de recursos para as calçadas. Apesar de não mexer com as calçadas que já são de responsabilidade dos particulares, a lei ajuda a prover recursos para as áreas prioritárias e de mais movimento.

2 – Sistema de Informações sobre Mobilidade a Pé

A Prefeitura terá de elaborar um sistema de informações sobre Mobilidade a Pé, reunindo dados estatísticos sobre circulação, fluxos, acidentes, atropelamentos, quedas e outros dados necessários à formulação e avaliação de políticas de mobilidade para a cidade.

Comentário: Hoje, existem dados espalhados por todos os departamentos da prefeitura e do governo do estado. Ter um ponto de vista comum talvez consiga dar conta de termos clareza sobre os problemas e principalmente sobre os diagnósticos. Bata ver a dificuldade que é hoje a conciliação dos dados da prefeitura e do Estado sobre a morte de pedestres nas marginais. Enquanto se debate a fonte, não se resolve nenhum problema. 

3 – Sistema de Sinalização para o Pedestre

Prefeitura terá de estabelecer rede de sinalização para o fluxo e a rede de mobilidade a pé na cidade, com placas para o pedestre. Esta rede deve ser desenvolvida levando em conta suas demandas e necessidades sob a lógica da Mobilidade a Pé e das pessoas com Deficiência.

Comentário: Parece óbvio, mas olhar os trajetos do ponto de vista do pedestre nunca foi prioridade até agora.

Quem anda a pé tem prioridade sobre todos os outros tipos de modos de transporte. Foto: Cesar Brustolini.4 – Hierarquização

Baseado em pesquisas de volumes de pedestres, estabelecer uma hierarquização viária para a rede de mobilidade a pé da cidade, definindo-se áreas e vias prioritárias a serem contempladas com políticas que priorizem a Mobilidade a Pé.

Comentário: Hoje isso é bastante difuso. Falta saber quais são os lugares mais cheios, que não são tão claros. Um exemplo: muitas vezes, há um grande fluxo de pedestres em ruas que não são tão importantes do ponto de vista da malha viária, como aquelas ruazinhas que desembocam em estações de trem.

5 – Tempo Semafórico

Modificar o método de estabelecimento do tempo semafórico levando em conta a demanda do fluxo de pedestres e não apenas a largura da via nas áreas detectadas como detentoras de maior fluxo a pé.

Comentário: Hoje os pedestres mais lentos não conseguem terminar a travessia. Veja o post sobre isso aqui. Além disso, muitas ruas obrigam o pedestre a quebrar a travessia em várias paradas, dobrando o tempo para atravessar uma rua.

6 – Responsabilização de equipamentos de transporte de massa

Compatibilizar o impacto dos fluxos a pé ao equipamento instalado – seja ele ponto de ônibus, estação de metrô ou trem, terminal de ônibus – com a rede viária do entorno para acomodar e priorizar estes fluxos tanto nas calçadas como em travessias.

Comentário: Fundamental. Hoje, quem sai de um ônibus para pegar um trem, ou vice-versa, tem que fazer trajetos que não fazem nenhum sentido, dando voltas desnecessárias. Em estações como a Pinheiros, por exemplo, os trajetos mais curtos são fechados por grades, que priorizam os ônibus em detrimento dos pedestres. (Veja aqui post sobre as estações de transporte).

7- Readequação de geometria

Elaborar um plano municipal visando adequar a geometria viária aos novos padrões de velocidade operacional máxima, de forma a proporcionar maior segurança aos que caminham.

Comentário: Esse item tem a ver com o ângulo que os carros fazem as curvas. Hoje, muitas curvas ajudam os motoristas a acelerar nas curvas, quando o certo seria diminuir e dar passagem aos pedestres. Veja aqui o post sobre melhoria do desenho urbano.

8 – Iluminação das calçadas

O artigo 11 do projeto prevê que o Poder Público priorize o sistema de iluminação pública das calçadas.

Comentário: Você já notou como às vezes a luz da rua é boa enquanto a calçada está às escuras? Há soluções simplíssimas que têm que fazer parte de qualquer licitação, como direcionar nos postes de luz um facho específico para as calçadas.

Como se vê, a lei tem quase tudo para melhorar a vida do pedestre. Só falta uma coisa: que seja cumprida. Foto: IG.

9 – Multa pelo não cumprimento da lei

As concessionárias, permissionárias e autorizadas de serviços públicos que possuam postes, equipamentos ou mobiliário urbano instalado nas calçadas, praças e passeios públicos em desacordo com o artigo 3º do texto deverão, no prazo de 90 dias, a contar da publicação da lei, proceder sua adaptação ou retirada. Quem não o fizer estará sujeito à advertência por escrito e multa de R$ 500 por dia, por face de quadra, até a cessação da irregularidade.

Comentário: Esse é um dos ítens mais difíceis de serem aplicados na prática. Há concessionárias, como a Eletropaulo, que brigam na justiça para não ter que cumprir com sua responsabilidade de enterrar fios, há outras que abrem buracos e não fecham, e as prefeituras regionais não conseguem dar conta de organizar isso tudo. Já existem leis que obrigam os responsáveis a manter as calçadas em ordem, mas a prefeitura multa pouco e cobra mal (veja aqui post sobre isso).

Como se vê, a lei tem quase tudo para melhorar a vida do pedestre. Só falta uma coisa: que seja cumprida.

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Mauro Calliari é administrador de empresas, mestre em urbanismo e consultor organizacional. Artigo publicado originalmente no seu blog Caminhadas Urbanas do Estadão.

 

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