O estudo do cientista político Jacques Fourquet, chamado “1985-2017: quando as classes favorecidas fazem a secessão”, alerta para o crescimento da desigualdade social em toda a França e, sobretudo, o isolamento das classes mais abastadas em bolsões territoriais, onde se desconectam da realidade social nacional.
Usando Paris como exemplo, o estudo aponta para o crescente número de habitantes da capital que cursaram a universidade, e o claro desaparecimento das camadas mais populares da população. Em 1982, os profissionais de nível superior representavam 24,7% dos residentes de Paris. Em 2013, esse número já havia crescido para 46,4%, isto é, um aumento de quase 100% em três décadas. Enquanto isso, no mesmo período, a parte da população representada pelo operariado havia caído de 18,2% para 6,9%.
Mas isso não seria uma boa notícia? Não estaria o nível de educação da população aumentando? Não, responde o estudo. Segundo Jérôme Fourquet, os dados não representam o maior acesso da classe operária à educação de nível superior, mas, sim, a tomada da cidade pelas classes mais favorecidas que podem pagar o aluguel ou a compra de um metro quadrado supervalorizado.
Erosão do modelo republicano
”Urban Riders”, obra de Mohamed Bourouissa, em exposição no Musée d’Art Moderne de Paris. Foto: Kamel Mennour.
Fourquet vê nessa tendência uma erosão do modelo republicano francês, no qual o termo “República” tem um peso muito maior do que no Brasil. Para os franceses, ser republicano significa defender os valores fundamentais da nação, como a Igualdade, a Liberdade e a Solidariedade.
Quando as classes mais favorecidas passam a expulsar a classe operária de uma certa região, como Paris, através da especulação imobiliária, a população, agora seccionada, distancia-se dos valores fundamentais, perdendo a noção da realidade nacional como um todo.
Daí, segundo Fourquet, o surgimento de uma “França de Cima” e uma “França de Baixo”, com dramáticas consequências políticas, como a ascensão do populismo, a chegada da extrema-direita ao segundo turno das eleições presidenciais e a rejeição do Tratado Constitucional Europeu no referendo de 2005.
A intervenção da municipalidade
Em Paris, como em toda a França, uma lei nacional exige que o município preserve 25% dos imóveis da cidade para as classes menos favorecidas, que pagam aluguéis subsidiados pela prefeitura. Ainda que não cumpra a lei à risca (os municípios têm até 2025 para se enquadrarem), a prefeitura socialista de Paris tem trabalhado intensamente para manter a classe operária dentro da cidade.
Desde 2001, quando os socialistas chegaram ao poder, a prefeitura construiu 76 mil novas habitações populares, um aumento de 49%, representando agora 20% de todos os imóveis residenciais da capital. Esses inquilinos pagam um aluguel subsidiado que não chega à metade do aluguel cobrado no mercado de Paris, onde um conjugado de 30 m2 é alugado, em média, por R$ 4.230,00.
Problema global
Dinâmicas espaciais da gentrificação em Paris desde a década de 1960. Imagem © Anne Clerval, 2008.
A gentrificaçao dos bairros populares não é, contudo, um fenômeno unicamente parisiense, e muito menos francês. Acontece em toda parte, sobretudo nos países mais ricos do mundo ocidental. A própria evolução da economia local, que perde o seu parque industrial, abrindo espaço para o setor de comércio e serviços, acaba por afastar a classe operária para a periferia, enquanto os tradicionais bairros operários são tomados por profissionais liberais, com nível superior e melhores salários.
“Para essa parte da população, a elite, o cenário nacional se torna, então, obsoleto. O elo com a nação não é mais fundamental”, lamenta o autor do estudo, Jérôme Fourquet.
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Fonte: RFI / Edição: São Paulo São.