Existem fontes de água abandonadas em São Paulo

Quando assistimos a discussão relacionada ao trecho norte do rodoanel, muitas vezes podemos pensar que os argumentos em torno da preservação da mata atlântica, do comprometimento do abastecimento hídrico e do terrível impacto no meio em ambiente em geral são exagerados.

Mas basta visitar a região do Tremembé e da Cantareira para ver a destruição ambiental que homem fez por ali nas últimas décadas.

O local que antes era uma mata virgem, repleto de animais selvagens e de águas cristalinas hoje está tomado de grandes construções e de grandes mansões de pessoas que muitas vezes sequer dão atenção ao meio ambiente que estão envolvidos.

A região compreendida entre a rua Maria Amália Lopes de Azevedo e a altura do número 6200 da avenida Nova Cantareira abriga três antigas fontes de água mineral e todas elas estão esquecidas, abandonadas e poluídas.

As fontes são Gioconda, São Pedro e Fontalis. Reservas de água mineral que muitos de nossos familiares (e até alguns de nós) chegaram a conhecer e consumir.

A Fontalis foi tão importante para a região que acabou por originar um bairro que homenageia a fonte, o Jardim Fontalis. Já as outras duas fontes não chegaram a virar nome de bairro, mas são igualmente históricas e até hoje estão na memória de pessoas que moram ou já moraram na região, em um época que a poluição e o desmatamento sem controle não havia ainda chegado ao extremo norte da capital paulista.

Das três fontes citadas, conseguimos entrar em duas delas. Em uma delas um supermercado da região protege a fonte como pode e na outra, depois de anos abandonada hoje está cercada e ocupada.

Fonte São Pedro

Foto: Douglas Nascimento.

A antiga Fonte São Pedro está localizada na rua Maria Amália Lopes Azevedo e embora ainda esteja bem cuidada e razoavelmente preservada, não é percebida por quem anda ou trafega na região. Para vê-la é preciso entrar no estacionamento do Supermercado Sonda, uma vez que a velha fonte fica junto da área do estabelecimento.

A fonte, deixou de ser um local para coleta de água mineral e hoje está fechada. O local, embora tenha sua entrada pelo estacionamento do Sonda não pertence ao supermercado. Aliás, até hoje saber quem é o proprietário atual da área parece ser um problema. Segundo Renata Tomasetti, assessora de imprensa do Sonda, a rede gostaria de comprar a área e recuperá-la mas o local parece sequer ter documentação.

O lindo pórtico que dá entrada à fonte ganhou um portão que agride o visual harmônico da estrutura e a mureta ganhou grades. A natureza, que ainda está por ali bastante poluída, virou prisioneira do homem.

Com autorização do Sonda entramos na velha fonte de água. O local ainda encanta, tal qual como deveria encantar décadas atrás as pessoas que iam até lá em busca de água. Por dentro há tanto capricho na arquitetura como por fora, com lindas colunas salomônicas, uma escadaria e uma bica (fotos a seguir). A umidade está maltratando um tanto mais o seu interior que, diferente do exterior, não recebe muitos cuidados. 

A Fonte São Pedro foi inaugurada em 1922 por Affonso Natacci e canalizada por A. Cownley Slater.

Fonte Gioconda

clique na foto para ampliarFoto: Douglas Nascimento.

“Tales Sunt Aquae Qualis Est Terra Per Quam Fluunt” ou “A água é tal qual a terra por onde ela corre”  é a frase do pensador romano Plínio, O Velho, que estava escrita no lindo mural de azulejos que dá entrada a fonte mais alta da região, a Fonte Gioconda.

Digo “estava escrita” porque inicialmente vários azulejos que faziam parte do mural já não estão mais lá. Caíram pela ação do tempo ou foram arrancados por vândalos. Já em 2014, 3 anos depois de visitarmos o local pela primeira vez descobrimos que as pessoas que invadiram a área da fonte para morar, decidiram passar um tinta sobre os azulejos, um crime contra nossa história.

Hoje o local mais lembra mesmo uma ruína romana, com partes de uma casa, escadarias arruínadas e tomadas pelo mato e pela vegetação. O que o homem construiu, parte já foi retomada pela natureza e hoje é quase impossível localizar o local por onde a água brota. Só é possível notar, no meio a densa vegetação, o fluxo da correnteza e chegar perto dela como fizemos é um ato perigoso. As escadarias estão quebradas e úmidas e as pedras estão repletas de limo.

O local, que outrora foi uma das fontes de água da região da Cantareira, hoje serve como um quadro de como o homem não cuida da natureza. No lugar de água potável, água suja e contaminada. No lugar de pedras naturais da região, entulho. E entulho este que é descartado muitas vezes pelo nobre casario da região, como podemos constatar em pouco mais de uma hora que ficamos no local. 

Mas o lugar ainda desperta emoção. Impossível não entrar ali e não se emocionar com a imbecilidade do homem. Impossível não se lembrar que poucas décadas atrás era possível beber a água dali. Também é impossível não admirar o pouco que resta do mural e do estabelecimento que ali existia, hoje em ruínas.

No passado a fonte teria pertencido a Rigoletto Mattei, mas não conseguimos confirmar esta informação.

Fontalis

clique na foto para ampliarRara imagem da Fontalis em funcionamento (1936) do acervo de Otto Triebe.

Terceira fonte de água mineral da região, a Fontalis, que fica na mesma rua que a Fonte São Pedro. No entanto, é quase impossível vê-la ou fotografá-la pois está em uma propriedade com muros muito altos. Ela esteve ativa na região até alguns anos atrás, sendo a última a ser desativada. As duas fotografias abaixo, de 1936, são raras imagens da Fontalis em pleno funcionamento e foram enviadas pelo leitor Otto Triebe.

Infelizmente, há muito pouco material sobre as Fontes São Pedro, Gioconda e Fontalis disponível para pesquisa. Achar alguma informação é quase impossível. 

Que a frase de Plínio, o velho, que está na Fonte Gioconda, um dia possa ser melhor representada.

***
Por Douglas Nascimento no SP Antiga.

 

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