Filmagens ‘invadem’ as ruas de São Paulo

O aumento é gigantesco: em média, eram realizadas 13 gravações do tipo por mês em São Paulo. Agora, são 161. Os dados foram fornecidos pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), por meio da Lei de Acesso à Informação. Neste mapa interativo, é possível ver todos os endereços paulistanos utilizados em filmagens.

“Um fator que pode explicar o fenômeno é o aumento exponencial na demanda de projetos audiovisuais”, acredita o cineasta Fernando Meirelles, co-fundador da O2 Filmes – ele filmou em São Paulo, por exemplo,Ensaio sobre a Cegueira (imagem abaixo). “Não sei se algum outro setor da Economia cresceu tanto na última década como o audiovisual. Hoje a produção de filmes para internet explodiu, roda-se sem parar e com a lei de obrigatoriedade de programas brasileiros na TV a cabo (de 2011), que pegou, surgiu um mercado que não existia.”

Só a O2 está, nos últimos dois meses, com duas equipes filmando séries pela cidade – um time grava a terceira temporada de Psi, para a HBO, enquanto outra faz O Advogado do Diabo, para a Globo. “Fora as filmagens que aparecem aqui e ali”, diz Meirelles.

O levantamento com todas as 12.396 filmagens realizadas em vias públicas entre janeiro de 2006 e o início de setembro deste ano mostra ainda quais são os logradouros mais requisitados pelas produções. A Avenida Paulista, com 365 gravações, lidera o ranking, seguida por quatro locações da região central da cidade: o Viaduto do Chá, com 225 filmagens; o Vale do Anhangabaú, com 219; a Rua Líbero Badaró, com 197; e a Praça Ramos de Azevedo, com 165.

Na última quarta, feriado de Finados, a reportagem acompanhou as equipes da Boutique Filmes e do Canal Universal no Anhangabaú. Eles gravavam a terceira temporada da série Cinelab, que deve ser exibida no primeiro semestre de 2017. No episódio em questão, foi provocada uma “explosão” de uma banca de camelô (uma das fotos é a que abre esta reportagem; a outra está logo abaixo). “Sempre tivemos muito interesse em usar a cidade como cenário. Isso faz sentido porque mostra a paisagem local, um lugar identificável e, ao mesmo tempo, facilita a produção – sem muitos deslocamentos”, afirma o produtor executivo Gustavo Mello.

No Anhangabaú gravação da terceira temporada da série Cinelab. Foto: Amanda Perobelli / Estadão.“Com a criação da SPCine (a Empresa de Cinema e Audiovisual de São Paulo, institucionalizada no ano passado), existe um pensamento de como se usar a cidade de uma maneira mais clara”, prossegue. O discurso é corroborado por muita gente do meio: a avaliação é que o órgão tem desburocratizado e facilitado os pedidos de autorizações para uso de espaços públicos em São Paulo e reduzido a demora nas respostas. “Em uma produção, qualquer atraso começa a afetar o orçamento”, justifica Mello.

Esse trâmite todo é efetuado pela São Paulo Film Commission. “Preocupamo-nos em resolver os gargalos que existem na cidade: há uma demanda enorme de filmagens e procuramos conversar com os órgãos públicos”, explica a coordenadora Tammy Weiss.

A expectativa do órgão é que, com essa organização ainda incipiente, os dados aumentem mais no ano que vem. Se a média paulistana está em 161 filmagens em vias públicas por mês, na badalada Nova York o número é muito maior: 479, de acordo com dados do departamento de filmes, teatro e televisão da prefeitura de lá. (A reportagem questionou a RioFilme solicitando dados similares da capital fluminense mas a assessoria de imprensa do órgão informou que não é possível especificar as gravações em vias públicas.)

Impressões

Além da desburocratização e do aumento da produção, outros fatores são apontados como fundamentais ao crescimento de São Paulo nas telas. Por exemplo, a versatilidade. “Fazer externas dá autenticidade. E a cidade tem virtudes múltiplas, qualidades arquitetônicas variadas, pluralidade. Uma sequência de época? É só escolher o lugar certo”, afirma o diretor de arte Cassio Amarante, do filme Abril Despedaçado e da série Sessão de Terapia, entre outras obras. “São Paulo pode até ser uma cidade feia, cheia de prédio, cimento, sem praia. Mas sem dúvida é muito fotogênica”, avalia Lusa Silvestre, roteirista de filmes como Estômago, Um Namorado Para Minha Mulher e diversos outros.

“Há uma somatória de fatores, que vão desde a autoestima da cidade, que foi redescoberta nos últimos anos, até o fato de que o digital dá mais agilidade para filmar na rua”, diz a cineasta Lina Chamie. “São Paulo foi abraçada pelo cinema. Antes, havia um tabu de olhar para ela.” Entre suas produções que muito utilizaram as ruas, estão A Via Láctea e São Silvestre.

Não se pode esquecer ainda o fator financeiro. “Sair do estúdio, dos cenários mais caros, e ir para a rua, muitas vezes é um jeito de lidar com pouca verba”, comenta Sandra Othon, produtora executiva da Bossa Nova Films. “Também é uma tendência de linguagem: a locação real dá mais autenticidade.”

“São Paulo é uma cidade muito cinematográfica. Não pela sua beleza natural, como Rio de Janeiro, mas pelos lugares diferentes”, acredita o cineasta André Sturm, diretor do Museu da Imagem e do Som de São Paulo. Sturm preside o Programa Cinema do Brasil, que também se empenha em “vender” a ideia de que filmar por aqui é interessante. “Qual a cidade mais parecida com Nova York que a gente tem para filmar no Brasil? É São Paulo. Nenhum centro urbano é tão urbano quanto São Paulo no País”, define o cineasta Sergio Roizenblit, diretor da série Arquiteturas. “O Rio pode ser espetacular, mas em São Paulo você tem 15, 20 espaços sensacionais diferentes que já estão prontos como locação.”

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Por Edison Veiga no blog São Paulo em parceria com Daniel Bramatti do Estadão Dados. 

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