O levantamento com todas as 12.396 filmagens realizadas em vias públicas entre janeiro de 2006 e o início de setembro deste ano mostra ainda quais são os logradouros mais requisitados pelas produções. A Avenida Paulista, com 365 gravações, lidera o ranking, seguida por quatro locações da região central da cidade: o Viaduto do Chá, com 225 filmagens; o Vale do Anhangabaú, com 219; a Rua Líbero Badaró, com 197; e a Praça Ramos de Azevedo, com 165.
Na última quarta, feriado de Finados, a reportagem acompanhou as equipes da Boutique Filmes e do Canal Universal no Anhangabaú. Eles gravavam a terceira temporada da série Cinelab, que deve ser exibida no primeiro semestre de 2017. No episódio em questão, foi provocada uma “explosão” de uma banca de camelô (uma das fotos é a que abre esta reportagem; a outra está logo abaixo). “Sempre tivemos muito interesse em usar a cidade como cenário. Isso faz sentido porque mostra a paisagem local, um lugar identificável e, ao mesmo tempo, facilita a produção – sem muitos deslocamentos”, afirma o produtor executivo Gustavo Mello.
“Com a criação da SPCine (a Empresa de Cinema e Audiovisual de São Paulo, institucionalizada no ano passado), existe um pensamento de como se usar a cidade de uma maneira mais clara”, prossegue. O discurso é corroborado por muita gente do meio: a avaliação é que o órgão tem desburocratizado e facilitado os pedidos de autorizações para uso de espaços públicos em São Paulo e reduzido a demora nas respostas. “Em uma produção, qualquer atraso começa a afetar o orçamento”, justifica Mello.
Esse trâmite todo é efetuado pela São Paulo Film Commission. “Preocupamo-nos em resolver os gargalos que existem na cidade: há uma demanda enorme de filmagens e procuramos conversar com os órgãos públicos”, explica a coordenadora Tammy Weiss.
A expectativa do órgão é que, com essa organização ainda incipiente, os dados aumentem mais no ano que vem. Se a média paulistana está em 161 filmagens em vias públicas por mês, na badalada Nova York o número é muito maior: 479, de acordo com dados do departamento de filmes, teatro e televisão da prefeitura de lá. (A reportagem questionou a RioFilme solicitando dados similares da capital fluminense mas a assessoria de imprensa do órgão informou que não é possível especificar as gravações em vias públicas.)
Impressões
Além da desburocratização e do aumento da produção, outros fatores são apontados como fundamentais ao crescimento de São Paulo nas telas. Por exemplo, a versatilidade. “Fazer externas dá autenticidade. E a cidade tem virtudes múltiplas, qualidades arquitetônicas variadas, pluralidade. Uma sequência de época? É só escolher o lugar certo”, afirma o diretor de arte Cassio Amarante, do filme Abril Despedaçado e da série Sessão de Terapia, entre outras obras. “São Paulo pode até ser uma cidade feia, cheia de prédio, cimento, sem praia. Mas sem dúvida é muito fotogênica”, avalia Lusa Silvestre, roteirista de filmes como Estômago, Um Namorado Para Minha Mulher e diversos outros.
“Há uma somatória de fatores, que vão desde a autoestima da cidade, que foi redescoberta nos últimos anos, até o fato de que o digital dá mais agilidade para filmar na rua”, diz a cineasta Lina Chamie. “São Paulo foi abraçada pelo cinema. Antes, havia um tabu de olhar para ela.” Entre suas produções que muito utilizaram as ruas, estão A Via Láctea e São Silvestre.
Não se pode esquecer ainda o fator financeiro. “Sair do estúdio, dos cenários mais caros, e ir para a rua, muitas vezes é um jeito de lidar com pouca verba”, comenta Sandra Othon, produtora executiva da Bossa Nova Films. “Também é uma tendência de linguagem: a locação real dá mais autenticidade.”
“São Paulo é uma cidade muito cinematográfica. Não pela sua beleza natural, como Rio de Janeiro, mas pelos lugares diferentes”, acredita o cineasta André Sturm, diretor do Museu da Imagem e do Som de São Paulo. Sturm preside o Programa Cinema do Brasil, que também se empenha em “vender” a ideia de que filmar por aqui é interessante. “Qual a cidade mais parecida com Nova York que a gente tem para filmar no Brasil? É São Paulo. Nenhum centro urbano é tão urbano quanto São Paulo no País”, define o cineasta Sergio Roizenblit, diretor da série Arquiteturas. “O Rio pode ser espetacular, mas em São Paulo você tem 15, 20 espaços sensacionais diferentes que já estão prontos como locação.”
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Por Edison Veiga no blog São Paulo em parceria com Daniel Bramatti do Estadão Dados.