Gestão coordenada do território urbano: como ela determina o acesso à cidade?

Do chão, erguemos nossas cidades. Os lugares onde moramos, trabalhamos, por onde caminhamos e passamos nossas vidas – todos construídos sobre a mesma superfície. O solo é um dos bens mais importantes de uma cidade e promover uma gestão coordenada desse território é fundamental para garantir que todos tenham seu espaço e que ele seja distribuído de modo equilibrado.

Podemos dizer que uma cidade é eficiente e cumpre sua função quando acolhe de forma igualitária todos os seus habitantes, independentemente da renda. É uma questão, sobretudo, de acesso. O acesso à terra – e consequentemente à cidade – depende do valor dessa terra. Para aqueles que escolhem ou precisam viver nas cidades, a renda vai determinar a porção do território a que terão acesso.

Da maneira como o território urbano é gerido hoje em grande parte das cidades, o que observamos é que o acesso às oportunidades não se dá da mesma forma para todos. O desafio do planejamento urbano é corrigir essas distorções através de uma legislação urbana que promova esse ajuste. Assim, quando falamos em gestão coordenada do território de uma cidade estamos falando em organizar esse território de forma a garantir o acesso de todos às oportunidades que as cidades têm a oferecer.

Como funciona a gestão coordenada

Quando novas infraestruturas são construídas, têm um efeito sobre a dinâmica da cidade. Imagem: Peter Calthorpe.

O conceito de cidade 3C diz respeito a três princípios de planejamento: crescimento urbano compacto, infraestrutura conectada e gestão coordenada. Uma cidade planejada conforme esses princípios utiliza instrumentos urbanísticos para aumentar a densidade populacional em áreas estratégicas, como o entorno de eixos de transporte coletivo (crescimento compacto), promove uma continuidade entre as diferentes áreas e estruturas (infraestrutura conectada) e faz a gestão da valorização da terra (gestão coordenada).

A gestão coordenada, o terceiro C, é um conjunto de normativas que induzem o crescimento da cidade em áreas estratégicas, mediante planejamento prévio, e redistribuem para a coletividade parte da valorização imobiliária que resultou dos investimentos públicos.

Quando novas infraestruturas são construídas, têm um efeito sobre a dinâmica da cidade. Empreendimentos imobiliários podem ter impactos tanto positivos quanto negativos. Prédios residenciais, escritórios, lojas, cinemas de rua, bares e restaurantes, shoppings – não existem empreendimentos neutros. Todos impactam no chamado “valor da terra”. Esse valor é resultado de investimentos públicos e privados, diretamente proporcional à infraestrutura implementada – que, por sua vez, resulta de um esforço da coletividade. Assim, é responsabilidade da administração municipal fazer a gestão desse valor e garantir que seja retornado à sociedade.

Existem instrumentos urbanísticos e fiscais que fazem exatamente isso – identificam, recuperam e distribuem à coletividade uma parte da valorização gerada por esses empreendimentos. Aplicando esses instrumentos, a administração municipal também obtém recursos que podem contribuir para o financiamento de novas infraestruturas e melhorias, fazendo com que parte do efeito da valorização da terra, em vez de ser capturado somente pelos proprietários dos imóveis urbanos, seja revertido à cidade.

O potencial construtivo é um ativo público

Em primeiro lugar, é preciso entender o potencial construtivo como um ativo público.

Uma das principais maneiras pelas quais a administração municipal pode capturar o valor gerado por novos empreendimentos para reinvestir na cidade é definir que o coeficiente de aproveitamento (CA) básico dos terrenos seja igual a 1 e prever uma cobrança de quem quiser ultrapassar esse limite. O coeficiente de aproveitamento estabelece quantas vezes o proprietário tem o direito de construir no terreno o equivalente à sua área.

Ao estabelecer esse coeficiente como 1 e cobrar de quem quiser ultrapassá-lo – a chamada outorga onerosa pelo direito de construir –, o poder público passa de fato a gerenciar o território. Dessa forma é possível aplicar a recuperação da valorização imobiliária e distribuí-la na cidade de forma articulada e igualitária.

Tudo isso é a chamada gestão coordenada.

No Brasil, um dos principais exemplos de aplicação desses instrumentos é São Paulo. A capital paulista tem CA básico 1 para todo o território e, em algumas áreas estratégicas, o proprietário pode ultrapassar esse limite mediante pagamento da outorga. Os recursos da outorga onerosa são destinados ao Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano e utilizados na implementação de melhorias na cidade. Recentemente, Belo Horizonte foi pelo mesmo caminho e também estabeleceu CA básico 1 para todo o território, passando a cobrar a outorga nos casos em que o limite é excedido.

Para que a cidade seja do acesso de toda a população, o poder público deve assumir o protagonismo na gestão do território. A outorga onerosa é um instrumento de planejamento previsto em lei, e muitas cidades fazem a cobrança, mas nem sempre de forma eficaz. O princípio por trás desse instrumento é que o potencial construtivo adicional dos terrenos deve ser gerido pelo poder público. Seu ganho deve ser revertido para a coletividade e os recursos arrecadados investidos em melhorias mais bem distribuídas no território urbano, como equipamentos públicos, praças, transporte, drenagem, habitação, entre outros, a fim de que todos possam acessá-las.

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Por Priscila Pacheco e Laura Azeredo no WRI Brasil.

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