Graffiti: arma pela democratização da arte

 
No início de 2014, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou o resultado de levantamento sobre a frequência de práticas culturais da população brasileira, tendo como referência o ano anterior. De acordo com a instituição, menos de 15% frequentam museus e centros culturais; apenas 18% costumam assistir espetáculos de dança, circo e teatro; assustadores 13,8% vão a shows musicais e 24,6% são assíduos de cinemas. Os números são impressionantemente baixos e o problema não se resume apenas ao desinteresse de grande parte da população. É principalmente uma questão de classes. Cultura ainda é bastante elitizada e isso pode ser explicado pela simples máxima do “tempo é dinheiro”. Quem tem grana, tem disponibilidade para ir ao museu; quem não tem está mais preocupado em chegar em casa logo e dormir para acordar cedo no dia seguinte. Fora a questão do valor cada vez mais alto dos eventos (cinema atualmente está fora de sério… parece que estou comprando a sala inteira).
 

No leste de Londres, a região em torno de Brick Lane Street é uma das mais procuradas por artistas urbanos do mundo todo.
 

Na década de 1990, uma pesquisa realizada no México* trouxe algumas informações que, apesar de antigas, nos ajudam a pensar algumas questões referentes à baixa participação da população em espaços culturais. O objetivo era demonstrar com que tipos de instituições sociais as pessoas se identificavam e o resultado apontou para igrejas, escolas e clínicas. Prédios artísticos, como salas de concertos, galerias e cinemas, geralmente com arquitetura tão imponente, apresentaram uma distância enorme da maioria das pessoas, que não os percebia como lugares de pertencimento.Isso porque há a ideia de que cultura é um bem que só pode ser desfrutado quando se alcança um status econômico superior. Soma-se a isso ainda a barreira simbólica do medo: o medo de parecer ignorante nesses espaços, de ser mal olhado, de não entender o que está se passando. Por isso é tão importante a inclusão de atividades artísticas no ensino básico. Distribuição de renda e educação são as armas fundamentais para se superar esse quadro.

Mas enquanto esse mundo mais igualitário e acessível que sonhamos não vira realidade, a arte encontra em si mesma formas de romper essas barreiras e se fazer mais presente na vida das pessoas. O graffiti é uma dessas armas políticas que, mesmo não trazendo temáticas sociais em si, não deixa de ser um instrumento muito eficiente de democratização da arte. Aqui na Inglaterra, por exemplo, quando o famoso artista de rua Banksy realizou sua primeira exposição em museu, houve uma fila gigante, formada principalmente por pessoas que nunca tinham entrado em uma galeria antes. Mas a partir do momento em que elas viram o trabalho do artista nas ruas, a barreira que existia, o medo, se desmanchou no ar. A arte podia ser para todos.

 

As ruas da cidade são ocupadas por caminhantes curiosos em busca de arte escondida nas esquinas.

O que o graffiti traz de mais importante é essa capacidade de inserir arte na vida das pessoas sem nem pedir permissão antes, criar novos afetos com a cidade e novas sensações dentro das pessoas. Em seguida, vem a libertação do pensamento. Porque uma das funções primordiais da arte é a alforria intelectual. Em uma sociedade em que tudo nos é dado mastigado (o que consumimos e o que deixamos de consumir), é um respiro de autonomia, uma fuga do sistema administrado, poder olhar uma obra de arte e pensar sobre ela com toda a liberdade nos é de direito (se gostei, se não gostei, o que acho que ela representa, o que o artista quis transmitir).

A arte de rua afeta um também aquele público que não se identifica com museus, galerias e outras instituições culturais.

A arte liberta tanto quanto a distribuição de renda e o acesso à uma educação de qualidade. É incrível pensar que, na correria cega do dia a dia, em que milhões de trabalhadores se movem mecanicamente sem nem perceber o mundo ao redor, um muro que antes era cinza e sem graça é capaz de provocar uma perturbação na inércia cotidiana depois de receber alguma intervenção artística. Graffiti é forma de resistência e inclusão. O que antes assustava pelos portões altos e prédios magnânimos, agora está na rua para quem quiser ver. E quem o vê hoje pode amanhã estar na fila do museu, curioso por mais, ansioso pela liberdade que a arte propicia.

*Essa pesquisa a professora Ana Rosa Mantecón comenta no texto O que é público?

***
Raisa de Pina é estranda em História da Arte pela Universidade de Brasília (UnB). Artigo publicado originalmente no blog O Beijo do IG.

 

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