Grande obra só com plebiscito: projeto de lei pode ser adotado em São Paulo

Os vereadores de São Paulo aprovaram em junho de 2016 um projeto de lei que regulamenta a realização de plebiscitos para grandes obras municipais.

O texto do projeto número 476/2015 está à espera de sanção ou veto do prefeito Fernando Haddad. Se for sancionada, a lei será uma das poucas regulamentações de consultas populares para políticas públicas em vigor no país.

Se valesse na década passada, por exemplo, a construção da ponte Estaiada, inaugurada em 2008 na zona sul como um dos cartões postais da cidade, só sairia após consulta aos paulistanos.

Embora leis e a própria Constituição Federal prevejam desde a década de 1990 o uso desse tipo de mecanismo, ainda são raros os exemplos de gestões que perguntam à população se ela concorda com a execução de grandes projetos.

No país, são obrigatórias somente as consultas sobre mudança de nome da cidade e sobre a criação ou divisão de territórios.

O que diz o projeto paulistano

O projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal regulamenta o artigo 10 da Lei Orgânica do Município, que determina a realização de plebiscitos antes de discutir e aprovar “obras de valor elevado ou que tenham significativo impacto ambiental”.

Critérios para o plebiscito, segundo o projeto

Obras de valor elevado

São aquelas cujo gasto previsto esteja acima da média dos valores das demais previstas no exercício financeiro daquele período. Esse cálculo será feito com base no desvio-padrão, uma fórmula matemática que considera o orçamento e o gasto previsto para cada obra

Obras de significativo impacto social e ambiental 

Esse critério vale para obras públicas e privadas, que impliquem na “transformação acelerada do perfil urbanístico” da cidade ou do bairro afetado. São ações que, por exemplo, alterem a circulação das pessoas no local, exijam a retirada de áreas verdes ou a remoção de famílias.

Se a lei estivesse em vigor atualmente, plebiscitos tratariam de empreendimentos imobiliários, como o planejado para a área do Parque Augusta, ou do futuro do Minhocão.

O texto da lei foi elaborado pela Frente Parlamentar de Implementação da Democracia Direta, formada por vereadores e representantes da sociedade civil, e contou com apoio de entidades como a Rede Nossa São Paulo. Assinaram como autores do projeto os vereadores Juliana Cardoso (PT), Patrícia Bezerra (PSDB), Eliseu Gabriel (PSB), Natalini (PV), Police Neto (PSD), Toninho Vespoli (PSOL) e Ricardo Young (Rede).

A proposta foi aprovada na Câmara em 22 de junho. Em 11 de julho, o prefeito se disse favorável à iniciativa, mas afirmou não ter lido o texto até aquele momento. “Várias grandes metrópoles fazem consultas para temas específicos. Tem de saber usar a ferramenta. Não é para tudo que se faz plebiscito”, disse.

Iniciativas como essa têm por objetivo incentivar o envolvimento do cidadão com os temas da cidade. Atualmente, na capital, a gestão dispõe de mecanismos como conselhos municipais nas subprefeituras (para moradores acompanharem e discutirem ações nos bairros), além da realização de audiências públicas para debates sobre gastos do orçamento e sobre projetos municipais (a exemplo do que ocorreu durante a revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo, em 2015).

Consulta depende da Câmara

A proposta regulamenta os casos em que um plebiscito pode ser feito, mas as regras para a convocação da consulta seguem as normas previstas pela Lei Orgânica do Município e pela lei 9.709, de 1998 –  conhecida como Lei de Democracia Direta, que regulamenta os trechos da Constituição que tratam do plebiscito.

De acordo com essas leis, as consultas podem ser convocadas pelo Poder Executivo (neste caso a Prefeitura) ou por iniciativa popular, mas cabe ao Poder Legislativo (neste caso a Câmara Municipal de São Paulo) decidir se um plebiscito deve ou não ser convocado. “A pressão popular vai ser muito importante para assegurar a implementação desse mecanismo”, afirma o vereador Police Neto.

Uma vez aprovada a convocação, o Tribunal Regional Eleitoral participa da elaboração do processo, define as regras para a divulgação dos argumentos contra e a favor da proposta e acompanha a votação. Os custos com a aplicação da lei devem estar previstos no orçamento local.

Dois exemplos de plebiscitos

As prefeituras de Londrina (PR) e Balneário Camboriú (SC) são os únicos exemplos de plebiscitos sobre políticas públicas realizadas no país, segundo levantamento da Rede Nossa São Paulo. As duas experiências ocorreram em 2001.

Em Londrina, os moradores responderam com um “não” à venda de uma empresa estatal. No Balneário, a resposta foi “sim” à ampliação da orla da praia.

Em Porto Alegre, está prevista uma consulta sobre o cercamento do Parque da Redenção. O plebiscito iria ocorrer juntamente com as eleições municipais, mas foi adiado para 2017 porque os custos não estavam previstos no orçamento.

Para o integrante da Nossa São Paulo, Américo Sampaio, que participou da elaboração do projeto de lei na capital paulista, o número de consultas realizadas é muito pouco, quando se considera que as leis existem há quase 20 anos. A prática é comum, segundo Sampaio, em cidades de países como Itália, Suíça, Suécia e Estados Unidos.

“Esse número mostra o quanto a democracia direta é travada. Demonstra também um grande desconhecimento dos gestores públicos dessas ferramentas. Há também um pouco de medo. Parte da classe política no Brasil sofre de ‘povofobia’, de medo da participação direta. Como não é um hábito participar, tanto a sociedade quanto a classe política esquecem que esse mecanismo existe.”

***

Américo Sampaio integra o movimento Rede Nossa São Paulo. *Texto publicado originalmente no NEXO Jornal.
 
 

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