Grupo mapeia patrimônio cultural da Zona Leste de SP e ressignifica imaginário da cidade

A igreja é uma das construções mapeadas pelo Grupo Ururay – Patrimônio Cultural, coletivo que pesquisa o patrimônio cultural da Zona Leste de São Paulo, rompendo com a visão hegemônica da história paulistana.

No dia 25 de maio, o grupo ministrou o curso Patrimônio Cultural e Periferia – Enfoque Zona Leste de SP, no Instituto Bixiga, centro de pesquisa e formação em cultura popular localizado no bairro homônimo. O historiador Lucas Florêncio Costa convidou os participantes a olhar “as partes que sobram no imaginário da cidade, partes que não estão nos cartões postais, nos roteiros turísticos e muito menos nas políticas públicas, mas que são o imaginário da maior parte da população”.

Para apresentar o trabalho do grupo, Lucas exibiu o documentário Territórios do Ururay (2016), parte da pesquisa de mesmo nome que levantou iconográfica, etnográfica e documentalmente o território da Zona Leste, olhando não somente para os edifícios históricos tombados ou em processo de tombamento, mas sobretudo para como esse patrimônio se articula com as manifestações culturais e a comunidade desse espaço.

Uso social dos patrimônios culturais

O grupo Ururay nasceu em 2014 no fervor das escavadeiras e ordens de reintegração de posse que tomavam a Zona Leste no ensejo das obras para a Copa do Mundo 2014. Formado por integrantes de regiões diversas como Itaquera, Cidade Tiradentes, São Miguel Paulista e Mooca, o grupo questionava por que determinados lugares, como o Centro, diziam da história da cidade de São Paulo, enquanto outros, como a Zona Leste, eram enquadrados enquanto história local ou de bairro.

Desde então, o grupo tem produzido conhecimento e articulado projetos de diversos setores pela preservação do patrimônio cultural da região. Os edifícios mapeados são os mais diversos, apresentando diferentes estados de conservação e narrativas.

Entre eles estão a Fazenda da Biacica, em São Miguel Paulista, cujos azulejos portugueses que adornam as paredes testemunharam a mão de obra indígena escrava, e as ruínas do Sítio Mirim, também no distrito, que embora tombadas sobrevivem parcamente à degradação.

Fazenda Biacica. Foto: André Bueno

O grupo considera parte fundamental do seu trabalho o questionamento do que é, de fato, patrimônio, e que para preservá-lo é necessário muito mais do que o tombamento. Um edifício vazio, embora contenha fantasmas da história, não cumpre sua função social dentro da perspectiva de uma cidade educadora.

“Devemos entender o patrimônio enquanto discurso e enquanto cidade. Ele não pode ser inquestionável”, explica Lucas.

“Quando se tomba um patrimônio industrial, existe a relação com o patronato, mas também o histórico dos operários que ali trabalharam. Vamos de Matarrazzo ou de operário? É um território de disputa ressignificar o imaginário, apontando releituras do patrimônio, questionando e apoiando outros atores”, acrescenta.

Constatando que somente um patrimônio vivo, distante da noção de alegoria ou ornamento, pode sobreviver ao tempo e de fato se constituir como território educativo, o Grupo Ururay mapeia também as manifestações culturais ocupantes desses espaços. Companhias de teatro como a Companhia do Miolo ou o Grupo XIX de Teatro se valem de lugares como o interior ou o pátio de igrejas e prédios históricos, tecendo uma linguagem que dialoga não só com a memória do território, mas com o espaço em si.

Azulejo na Fazenda Biacica. Foto: Marcia Minillo.

Outro ganho deste contato foi a constatação de que era preciso romper com a linguagem da academia para disseminar entre a comunidade dos bairros a importância do patrimônio cultural e histórico da Zona Leste.

“O acesso a esse tipo de discussão tem que ser outro. A linguagem acadêmica não consegue acessar uma população mais velha, que trabalha e quer algo diferente de uma palestra”, reflete Lucas sobre como o grupo se aproxima da comunidade. “Foi preciso dialogar com o hábito de conversar e contar histórias. Perceber que ir a uma roda de samba é um patrimônio e que esse é o processo cultural que a comunidade estabeleceu com aquele bem”, conclui.

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Por Cecília Garcia no Cidade Educadoras.

 

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