Ícone da noite underground de SP, ‘A Lôca’ faz 20 anos

“Alôca!?”

Assim atendeu ao telefone o promoter Nenê Krawitz, numa tarde qualquer do ano de 1995. O local: um imóvel na Rua Frei Caneca, em São Paulo. A casa estava sendo reformada para abrigar um clube noturno que estrearia em breve, ainda sem título. O fone fixo tocou, Nenê atendeu e disparou de improviso o trocadilho. Pronto. Nascia o nome da boate.

Nem é preciso dizer que a “frase” pegou e virou gíria, que permanece em alta até hoje. Sim, quando alguém diz algo como “Vou sair na rua pelada, a louca!”, na verdade está alimentando a expressão que nasceu com o nome do clube que seria a cara do underground de São Paulo nos anos 90 e 2000.

Em julho de 1995, estreava A Lôca, no mesmo espaço onde havia funcionado brevemente outro clube, o Samantha Santa – também criado por Nenê, que por sua vez vinha do sucesso do Sra. Krawitz, casa que marcou a cultura clubber da cidade no início dos anos 90. O Samantha e, depois, A Lôca, foram a continuidade do trabalho de Nenê no universo da noite alternativa paulistana.

O promoter criou o conceito da Lôca, convocando para decorar o espaço Sílvio Galvão, que havia criado o visual e os cenários da série de TV Castelo Rá-Tim-Bum. Assim surgiu a estética cavernosa e meio fetichista que se mantém até hoje no local.

Mas o início da casa não foi tão glorioso. O proprietário, o argentino Aníbal Aguirre, relembra que os primeiros tempos foram difíceis, pois o clube ainda procurava sua identidade em plena metade da década de 90. “A Lôca surgiu numa época em que a cena GLS era dividida entre os Jardins e o centrão, e ficava bem no meio, numa área degradada, que era a Frei Caneca / Baixo Augusta. Éramos o patinho feio do circuito gay”, recorda André Pomba, DJ que em 1998 criaria a principal atração da casa.

Um dos acertos era a aposta na noite eletrônica, que então começava a explodir, com os primeiros chill-outs e after-hours. A Lôca foi pioneira em afters, e chegou a ser o único clube que investia no gênero, por volta de 1997, quando o pioneiríssimo Hell’s Club havia fechado temporariamente.

Mas faltava o salto definitivo, que colocaria de vez a casa no olimpo das mais importantes da noite. A transição veio em maio de 1998, quando nasceu a festa Grind – Rock Project for Mix People. Criada pelo DJ André Pomba, tinha como objetivo principal tocar rock para o público gay (GLS na época, hoje LGBT).

Pode parecer surreal dizer isso hoje, mas simplesmente não havia nada parecido no Brasil da época. Até aquele momento, gays só iam em boates de drag music, e lésbicas apenas em barzinhos de voz e violão MPB. Se um gay ou uma lésbica quisesse dançar rock num clube, teria de ir em clubes héteros – e, claro, não poderia se manifestar livremente, beijar, paquerar, etc., sob pena de provocar um tumulto ou ser rechaçado. O Grind foi o primeiro lugar onde gays podiam ouvir rock enquanto beijavam seus pares (com exceção do Madame Satã na fase da década de 80).

O Grind continua até hoje, 17 anos depois, sempre aos domingos – começou como uma simples matinê das 19h às 23h, e hoje se estende até as seis da manhã de segunda-feira. A festa deu origem a projetos “irmãos”, como a Locuras, às quintas-feiras, também capitaneada por Pomba, e alavancou A Lôca – o clube é o único da cidade com programação fixa de terça a domingo, sem pausas.

O sucesso atraiu os famosos da mídia, que passaram a despencar por lá no auge da fase pop da Lôca, entre 2001 e 2006. Nomes como Ana Paula Arósio, Luciana Gimenez, Otávio Mesquita, Marina Lima, entre outros, viraram figurinhas carimbadas, e até a veterana Tônia Carrerobaixou por lá uma vez, além da lendária Maria Alice Vergueiro – cujo hit no YouTube, Tapa na Pantera, batizou a noite de terça do clube, criada por Nenê e que segue até hoje. Mais recentemente, outros famosos foram conferir a casa – entre eles, James Franco.

Gays, lésbicas, mauricinhos, travestis, celebridades, políticos, modelos, clubbers, roqueiros, enfim, todos queriam estar lá. Mas talvez nada supere a aparição de Marta Suplicy e Eduardo Suplicy (então casados) em setembro de 2000, quando ela fazia campanha para a prefeitura de São Paulo – que venceu. Marta fez discurso no palco da Lôca, para espanto do público. Quem viu, viu. Essas e outras peripécias estão documentadas no livro Tragam os Cavalos Dançantes (de Lufe Steffen, este que vos fala), publicado em 2008, quando a festa Grind celebrou 10 anos de vida. O livro trazia depoimentos de frequentadores, staff, DJs, jornalistas, e pode ser encontrado em sebos e através do site Estante Virtual.

A Lôca também foi cenário de filmes (como o curta Os Clubbers Também Comem, de 1999), foi registrada em documentários (Grind – E o Rock Saiu do Armário, 2000; A Volta da Pauliceia Desvairada, 2012), foi tema de músicas (Vestidinho Vermelho, 2006, de Marina Lima: “Eu estava lá na Lôca, é, naquele inferninho…”), abrigou shows da banda Cansei de Ser Sexy, foi o primeiro lar para as boemias de Thiago Pethit…

Enfim, são muitas histórias em 20 anos de vida. “Ninguém esperava isso, pois nos anos 90 estávamos acostumados às casas efêmeras, que duravam pouco mais de um ano”, comenta Pomba.

“A casa continua sua trajetória”, diz Aníbal Aguirre. “Sabemos que esses 20 anos são um marco na noite paulistana e tanto o público quanto o staff esperam festejar muitos e muitos aniversários sempre de portas abertas a todos que querem se divertir e soltar suas loucuras na pista de dança”.

Veja a galeria de fotos: http://goo.gl/sbYd9D

Por Lufe Steffen no Portal Vírgula.

 

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