Instituto Geena Davis mostra que representação feminina no audiovisual não agrada aos brasileiros

O poder do cinema e da TV em moldar a vida das pessoas – e em especial das mulheres – foi o tema do Simpósio Global sobre Gênero na Mídia, organizado em São Paulo pelo Geena Davis Institute on Gender in Media, não por acaso, no Dia Internacional da Mulher.

Comentando os resultados da última pesquisa feita pela organização criada pela atriz de “Thelma & Louise”, a cineasta Anna Muylaert ressaltou que acredita nesse poder, e que esse poder pode ser usado para quebrar os estereótipos impostos pela mídia nos últimos tempos.

“Eu gosto de quebrar estereótipos, principalmente no casting. Por que o mundo que a gente vê na mídia é uma ditadura, que eu não sei quem criou, mas certamente foi um ditador branco, homem e rico. E meu papel como artista é quebrar isso”, disse a diretora de “Que Horas Ela Volta?”, filme que retrata a relação de uma empregada doméstica (Regina Casé) com seus patrões e com a filha (Camila Márdila) que não vê há muito tempo.

A cineasta Tata Amaral em ação. Foto: divulgação.

Tata Amaral, diretora de longas como “Hoje” e “Antônia”, contou que a experiência de levar a filha pequena ao cinema nos anos 1980 a fez perceber os símbolos que Hollywood estava criando. “Ela não entendia as legendas e começou a fazer perguntas como ‘mamãe, ele vai morrer?’, ao ver um personagem negro. E eles morriam. Então, eu muito cedo percebi que era uma linguagem que veicula conceitos de forma subliminar”.

“Eu sei que estou lidando com um veículo poderoso. Tenho plena consciência do que eu faço no sentido de gênero, raça e de todo tipo de valores”, completa Tata, que colocou protagonistas mulheres em praticamente todos os seus filmes.

Cristina Fantato, gerente de produções locais da Fox e da Warner, comentou o fato positivo de que há muitas produtoras por trás dos filmes no Brasil – elas produziram 47,2% dos filmes de maior bilheteria entre 2010 e 2013, segundo pesquisa do Instituto Geena Davis. “Tem muitas mulheres fortes no audiovisual brasileiro, que dão forma aos projetos antes de eles chegarem aos estúdios, e isso faz muita diferença no resultado final”.

No evento também foram apresentados os resultados da parte brasileira da pesquisa mais recente do instituto, que entrevistou 2.000 pessoas em todo o país e também conduziu grupos focais para saber qual a percepção que o brasileiro tem do cinema e da TV.

Os números mostram que o público também acredita nesse poder da mídia: 75% concorda que a TV e os filmes brasileiros têm muita influência sobre como as pessoas pensam e agem.

A pesquisa também mostra que as mulheres têm dificuldades de se enxergar nos personagens femininos –segundo suas críticas, muito sexualizados, representando papeis de gênero tradicionais e já defasados, com padrões irreais de beleza ou variando apenas entre vítimas ou fúteis.

Para os entrevistados, os estereótipos também prevalecem na representação de pessoas negras, e a maior parte acredita que a mídia poderia contribuir mais para a discussão sobre temas sociais, como assédio no trabalho, violência doméstica e abuso infantil.

A mesma pesquisa foi realizada na Nigéria, Índia, Reino Unido, França e Brasil. “Os resultados são muito semelhantes no que diz respeito à preocupação dos pais com o que seus filhos estão assistindo”, explicou Madeline Di Nonno, CEO do instituto.

“Para os brasileiros, eles sentem que o mundo os está julgando por retratos que não representam mulheres reais. Todos pensam nas mulheres brasileiras como sensuais, sem muito mais a oferecer, e isso absolutamente não é verdade. Foi este tipo de comentário que muitas mulheres fizeram, que gostariam de ver mais diversidade de cor e de profissões, para mostrar que elas trabalham pela sociedade”.

 

 

Estudo global

O Instituto Geena Davis também vai divulgar ainda em março um estudo global que entrevistou 4.300 mulheres em nove países – Brasil, China, Índia, Arábia Saudita, África do Sul, Rússia, Austrália, Reino Unido e Estados Unidos.

Alguns dos resultados prévios já divulgados reforçam essa ideia de que a mídia ajuda a moldar a vida das pessoas. Para 61% das entrevistadas, modelos femininos no cinema e na TV influenciaram suas vidas de algum modo, e 58% disseram que as mulheres vêm sendo estimuladas a serem mais ambiciosas e assertivas. Além disso, uma em nove mulheres disseram que modelos femininos positivos lhes deram coragem para deixar um relacionamento abusivo – esse número sobe para uma em quatro no Brasil.

No entanto, 53% das mulheres acham que faltam modelos femininos nos filmes e na TV, 74% disseram que gostariam de ter visto mais modelos enquanto cresciam e 80% acreditam que as mulheres deveriam ter uma voz mais forte quando se trata de influência cultural.

Em entrevista recente ao jornal inglês “The Guardian”, a atriz Geena Davis, fundadora do instituto, exemplificou como os modelos vistos na mídia influenciam as vidas das mulheres reais, citando um aumento da procura de mulheres pela área de investigação forense, por conta de séries como “CSI”, e o crescimento na procura de mulheres por aprender arco e flecha após filmes como “Valente” e “Jogos Vorazes”.

“As meninas não vêm [na TV] todas as ótimas opções que são apresentadas aos homens e meninos; a autoestima masculina melhora quando eles assistem TV. As pessoas podem ser inspiradas ou limitadas pelo que assistem. Se elas virem mulheres fazendo coisas corajosas, como abandonar maridos abusivos, isso vai impactá-las fortemente”, disse Davis ao jornal.

 
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Natalia Engler / UOL, em São Paulo.

 

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