Com 90% de sua população vivendo de aluguel, Berlim é uma cidade de locatários. As razões por trás disso são várias e passam por leis de controle de aluguel e pelo robusto sistema de seguridade social alemão, mas, segundo o historiador Andreas Ruby, são as condições pouco favoráveis de empréstimo (para os padrões europeus) que excluem os interessados de classe média. Afinal, com orçamento inferior a 220.000 euros – ou 779.000 reais, só é possível adquirir imóvel nos subúrbios da capital alemã.
Na promoção de justiça espacial, cooperativas habitacionais são ferramentas urbanas conhecidas. O modelo berlinense, contudo, distingue-se tanto pela maneira como se articulam os grupos, quanto pela incorporação bem-sucedida de conceitos de diversidade e sustentabilidade na arquitetura de edifícios residenciais.
Dos grupos
Diferentemente das cooperativas tradicionais, em que construtoras assumem o papel de intermediador, a característica principal dos Baugruppen é a auto-gestão do empreendimento imobiliário. Ou seja, são os próprios associados que se encarregam de escolher e comprar o terreno, de encontrar financiamento, de supervisionar projeto e obra e, por fim, de administrar o edifício.
Segundo estudo do departamento de desenvolvimento urbano do Senado alemão, a maioria dos grupos é de pequeno porte, com uma média de onze associados, e tem como principais iniciadores associações de moradores e escritórios de arquitetura. O estabelecimento dos grupos inclui a criação formal de uma sociedade de direito civil, com intuito de proteger interesses individuais e de compartilhar riscos coletivamente. A partir daí, os grupos ganham nome e passam a ter status de empresa. Além disso, os modelos de financiamento também variam, podendo-se dar por meio de empréstimos múltiplos, para cada associado, ou unificado, para a empresa recém-aberta.
É, sobretudo, o custo que torna essa forma de construir tão atrativa: como inexiste margem de lucro, o custo final – incluindo compra, projeto e construção – costuma ser de 25% a 30% menor que o preço de mercado de empreendimentos comerciais. Na Alemanha, onde bancos só concedem financiamentos imobiliários mediante pagamento de entrada de 20% a 30%, os Baugruppen propiciam que pessoas de classe média troquem o boleto de aluguel pela escritura.
Dos projetos de arquitetura
Ao projetar edifícios habitacionais, arquitetos geralmente trabalham com clientes anônimos, para quem espaços são definidos com base em estilos de vida hipotéticos. No caso das cooperativas berlinenses, entretanto, inverte-se o processo criativo, pois o pequeno número de associados permite que estes se posicionem como clientes, assumindo um papel ativo no desenvolvimento do projeto. O resultado são edificações diversificadas, em que cada unidade de moradia é dimensionada e desenhada sob medida.
Essa mesma multiplicidade, que permeia os espaços internos, estende-se à tipologia dos edifícios. Com limites mais flexíveis que os impostos pelo mercado imobiliário, arquitetos conseguem criar moradias coletivas mais ousadas: com volumes, fachadas, materiais e cores inusitados. O princípio é aliar baixo custo à boa qualidade arquitetônica.
A inovação não pára somente nas questões de composição. Seja pelo aproveitamento da luz solar ou pela implementação de soluções alternativas de aquecimento predial, muitos arquitetos lançam mão de tecnologias ditas ‘passivas’ para tornar mais eficiente o desempenho energético de seus edifícios. A motivação é dupla: não só para reduzir o impacto ambiental, como também para conseguir abatimentos adicionais nos juros do financiamento.
O exemplo berlinense dos Baugruppen ajuda a desconstruir a ideia do projeto típico de cooperativas – conjuntos habitacionais imensos de casas iguais –, em que não há espaço para individualidade e diversidade. Mostra também que, quando há disposição e criatividade, até modelos já bem estabelecidos podem ganhar roupagem nova e gerar resultados originais.
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Por Lia Tostes no La Berlina. Ela é urbanista e mora em Berlim desde de junho de 2014.