Méritos das ciclovias superam os defeitos

A rede de ciclovias é a principal marca da gestão Haddad, mesmo não sendo a medida mais importante, nem mesmo para a mobilidade. Na cidade em que dono de carro era rei, onde andar de bicicleta correspondia ao risco de atravessar um rio de crocodilos, a velocidade de implantação das ciclovias ocupou mais espaço simbólico do que, por exemplo, as faixas exclusivas para ônibus, que beneficiam mais gente.

O ímpeto abriu caminho para outras realizações: se não tivesse conseguido instalar os caminhos vermelhos pela cidade, Haddad não teria podido, depois, reduzir a velocidade máxima dos automóveis, sua principal medida para a segurança e a fluidez do trânsito.

As críticas em geral carecem de fundo. Falar de buracos ou defeitos pontuais serviria para criticar tudo na cidade, das ruas para automóveis aos corredores de ônibus e calçadas. Por que só as ciclovias teriam um piso perfeito?

A sensação de improviso também é falsa: o plano de ciclovias vem de várias gestões e foi finalizado na administração anterior prevendo 1.000 km. Haddad já implantou 400 km; há mais 600 km já mapeados. Nem o traçado e nem a ordem das vias foram inventados pela atual gestão. Suas contribuições foram o empenho e a velocidade.

Isso causou a impressão de pressa, que é justa: para que as ciclovias possam atrair mais usuários, elas precisam formar uma rede; e não há como constituir uma rede aos pouquinhos. Também a impressão de que não houve consenso é verdadeira. Ciclistas são gregos e motoristas, troianos. Para conciliar os dois lados, iria demorar mais do que Ulisses na “Odisseia”.

Por fim, a “nova economia” ensina que o melhor teste de qualidade é o do usuário. Implantar no atacado centenas de quilômetros de ciclovias e, depois, corrigir no varejo os defeitos apontados pelos cidadãos não é má ideia (se fosse, Steve Jobs e Bill Gates não seriam chamados de gênios).

Último dos principais ataques: as ciclovias são implantadas onde não há demanda, por isso ficam vazias. É argumento que inverte o funcionamento das coisas. As bikes são veículos como os carros: novas avenidas provocam trânsito, porque atraem para as ruas autos que ficavam na garagem. As ciclovias atraem gente e não o contrário. A oferta determina a demanda, como no caso dos carros.

Termino narrando um caso exemplar que ouvi de um estrangeiro que vive sem carro em São Paulo há quatro anos. No início, no trajeto de bike para o trabalho (ciclovia da Faria Lima) tinha tão pouca gente que conheceu uma moça, ao encontrá-la frequentemente. Há poucos dias, ao parar em um semáforo, se deu conta de que havia 12 ciclistas ao seu redor. A criação de ciclovias fez aparecerem.

Elas têm defeitos? Certamente, um monte. Nenhum deles supera seus méritos.

***
Leão Serva em sua coluna na Folha de S.Paulo.

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