Minha cidade plural

A prática do jejum e de outras privações é uma forma de penitência interior presente na maioria das religiões. Na fé Católica, além dos conhecidos jejuns da Quaresma, os mais devotos jejuam semanalmente às sextas-feiras, buscando “… uma conversão para Deus de todo nosso coração, uma ruptura com o pecado, uma aversão ao mal e repugnância às más obras…”. Muçulmanos observam o jejum da alvorada ao pôr do sol durante os trinta dias do Ramadan, acrescendo às cinco orações diárias uma outra, especial, com intuito de dedicar-se à renovação da , à prática mais intensa da caridade e à vivência profunda da fraternidade e dos valores da vida familiar

A prática do jejum e de outras privações é uma forma de penitência interior presente na maioria das religiões. Foto: iStock.

Protestantes não têm datas específicas para jejuar nem tempo determinado para esse jejum, mas o adotam tendo por base seu sentido bíblico mais literal: “nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”. Privar-se do alimento e das distrações da vida material seria uma maneira de alimentar a alma, reconhecendo que o homem é mais do que matéria e necessita de mais força do que os alimentos podem prover. Já os Budistas vêem no ato de jejuar uma forma de sacrifício pessoal que convida a refletir sobre a importância do alimento e sobre nossa relação com o consumo e os vícios.

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Minha mãe kardecista e meu pai agnóstico se casaram na Catedral Metropolitana Ortodoxa desta cidade. Foto: Divulgação.

Nasci e fui criada em São Paulo. Sou neta de libaneses católicos ortodoxos (ascendência materna) e de italianos católicos apostólicos romanos (ascendência paterna). Desde jovens, minha mãe já praticava a fé espírita kardecista e meu pai era assumidamente agnóstico, mas isso não os impediu de se casarem na Catedral Metropolitana Ortodoxa desta cidade. E embora só visitássemos a Igreja Católica Apostólica Romana apenas para missas de Casamento ou de Sétimo Dia, nela fui batizada e fiz minha primeira comunhão, em convivência pacífica com as idas ao centro espírita frequentado por parte da família.

Entre os amigos de meus pais, sempre houve católicos, espíritas, protestantes, judeus, ateus. Lembro de uma época, ainda na infância, em que a religião Seicho-No-Ie esteve na moda, e de repente tínhamos por perto alguns de seus seguidores. O passar dos anos só enriqueceu essa mistura: conheci quem frequentasse o candomblé, o Santo Daime, quem fosse Testemunha de Jeová, budista ou xintoísta. Mais recentemente, fiz amigos muçulmanos, um deles recém-refugiado da Síria. Meu marido é judeu não praticante, eu trânsito pelo budismo e uma de minhas filhas tem apreço pela religião Wicca.

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Imigrantes moradores de São Paulo, participam de ensaio para o Festival Na Dança! que reúne diversas nacionalidades. Foto: Eduardo Knapp/Folhapress.

A cultura de uma cidade é formada por sua história e pelo conjunto de suas manifestações artísticas, estéticas, gastronômicas, religiosas, políticas, científicas – sejam antigas ou recentes, eruditas ou populares, majoritárias ou não. Tenho imenso prazer em habitar uma cidade culturalmente tão rica e complexa como São Paulo. Nativos, imigrantes ocidentais e orientais, diaspóricos (africanos, judeus, armênios, sírios e tantos outros), migrantes de todas as partes do país, e todos seus descendentes, fizeram desta uma cidade sedutora e única, conferindo a ela uma cultura sofisticada, plural e que vive em constante mutação. Sinto-me privilegiada por ter podido conviver com tanta diversidade ao longo de minha vida, e grata à São Paulo por ela me oferecer, a todo momento, a possibilidade de expandir meu olhar, relativizar minhas crenças, rever meus hábitos e, sobretudo, comprovar que a convivência com o diverso não é apenas possível, mas extremamente necessária para nossa evolução. 

(Ainda é tempo: Shaná Tová Umetuká!)

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Valéria Midena, arquiteta por formação, designer por opção e esteta por devoção, escreve quinzenalmente no São Paulo São. Ela é autora e editora do site SobreTodasAsCoisas.

 

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