Mulheres, uni-vos! ‘Suffragettes’ instaladas no MASP

 

No mesmo dia (12/11) em que milhares de mulheres foram às ruas de São Paulo em protesto contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e seu projeto de lei 5069, o Museu de Arte de São Paulo (MASP) abriu uma exposição sobre a luta pelos direitos femininos de um século atrás. Se hoje a batalha é pelo direito ao aborto legal no Brasil, há mais de cem anos as mulheres empunharam suas armas pelo direito ao voto na Inglaterra. “É uma feliz coincidência apresentar minha obra no momento em que essas discussões feministas estão em pauta por aqui”, disse à Tpm a artista brasileira Carla Zaccagnini, que mora em Malmö, na Suécia.

Pela primeira vez no Brasil, Carla apresenta sua instalação “Elementos de beleza: um jogo de chá nunca é apenas um jogo de chá”, exibida na National Portrait Gallery, em Londres. Baseada no livro homônimo de 2012 da artista, a obra fala sobre as “sufragettes”, mulheres que quebraram vitrines de lojas, janelas de residências de políticos e atacaram obras de arte na Inglaterra do início do século 20 – tudo em nome da luta pelo direito ao voto feminino. “Essas mulheres tinham maneiras muito afiadas e incisivas de se fazer ouvir. Literalmente, já que usavam facas em suas ações”, conta a artista.

O ataque mais célebre ocorreu contra o quadro Vênus ao espelho, do pintor espanhol Diego Velázquez (1599-1660), atingido por sete golpes de cutelo por Mary Richardson, em 1914. A ativista britânica definiu as marcas na “mulher mais bela da história da mitologia” como “hieroglifos” capazes de expressar sua luta “às gerações futuras”.

A instalação no MASP traz uma parede com 23 molduras pintadas sobre uma superfície branca nas mesmas dimensões das originais – em alusão aos quadros atacados – e audioguias que falam sobre as condições das mulheres na época e conjecturas sobre o que as teria motivado a escolher tal quadro e não outro.  “Elementos de beleza é apresentada no MASP, cujo vão livre se tornou sinônimo de praça pública para todo tipo de manifestação, expondo contrastes e impasses políticos que, se podem ser considerados típicos das contradições do nosso tempo, também revelam que a luta das suffragettes por uma sociedade mais igualitária, iniciada há mais de cem anos, ainda não se realizou por completo”, afirma o curador da exposição, Fernando Oliva. 

Sufragistas detidas por atacarem museus e obras de arte. Departamento de Registro Criminal, 1914. National Portrait Gallery.

Tpm conversou com Carla antes da abertura da mostra. A seguir, trechos da conversa com a artista.

Qual era o perfil das suffragettes? Elas faziam parte de um grupo chamado WSPU (Women Social and Political Union), que era o braço mais radical dentro do movimento sufragista. Eram principalmente membros da classe média alta britânica.

Essas ações tiveram repercussão na época? Sim, saíam nos jornais e provocaram o fechamento de museus em Londres e Manchester, as duas cidades onde ocorreram os ataques. Em determinado momento, as mulheres foram proibidas de entrar nos museus a não ser que alguém – um homem – se responsabilizasse por elas.

Deu certo a ação das sufragistas? Em que ano as mulheres conquistaram o direito ao voto na Inglaterra? 
Em 1918, quando terminou a Primeira Guerra Mundial, elas conquistaram o direito ao voto parcial. Somente mulheres acima de 30 anos, que tinham propriedade em seu nome, podiam votar. Demorou mais dez anos para que todas as adultas inglesas conquistassem o direito ao voto, o que só ocorreu em 1928.

Como eram escolhidos os alvos dos ataques? 
Tem os mais evidentes, que são os retratos de mulheres nuas ou de homens poderosos, um contraponto da forma como mulheres e homens são representados na história da arte. Também foram atacadas obras que mostram mulheres em posições domésticas, de submissão, contra a qual elas lutavam.

Quais eram os outros alvos de ações das sufragistas? 
Os ataques às obras de arte ocorreram entre 1913 e 1914. Mas houve ações anteriores. Em 1908, as mulheres cunharam a frase: “Votes for women” (votos para mulheres) em moedas e as colocaram em circulação. Também jogaram ácido nas caixas de correio e atacaram vitrines de lojas na Oxford Street, a principal rua comercial de Londres. Elas tinham uma consciência muito clara do uso da performance e do espetáculo para chamar atenção à causa.

Elas ficavam muito tempo presas? 
A pena máxima era de seis meses de detenção. Mas muitas faziam greve de fome e eram alimentadas à força dentro das prisões. Quando estavam muito fracas, eram liberadas por questões de saúde e voltavam pras manifestações de rua. Depois eram presas de novo.

O filme Sufragette, com a Meryl Streep como protagonista, estreia nos cinemas no Brasil agora em dezembro e aborda esse mesmo tema. Você assistiu?
Ainda não.

Porque esse tema veio à tona agora? 
Talvez pela efeméride, pois em 2014 fez cem anos que essas ações aconteceram.

Como você vê os avanços nos direitos das mulheres nos últimos cem anos? 
Houve muitos, mas ainda temos muita luta pela frente. O direito ao aborto é fundamental. Mesmo na Suécia, onde eu vivo e essa questão já foi superada há décadas (a atual lei do aborto é de 1975), as mulheres ganham menos do que os homens. Ainda existe muita desigualdade.

Montagem da exposição da artista no Firstsite Lewis Garden em Colchester, na Inglaterra. Foto: divulgação.

Serviço

“Elementos de beleza: Um jogo de chá nunca é apenas um jogo de chá.”

Até 14 de fevereiro de 2016
Local: Mezanino do 1º Subsolo
Endereço: Av. Paulista, 1578, São Paulo, SP
Horários: terça a domingo: das 10h às 18h (bilheteria aberta até 17h30); quinta-feira: das 10h às 20h (bilheteria até 19h30)
Ingressos: R$ 25,00 e R$ 12,00 (meia-entrada)
O ingresso dá direito a visitar todas as exposições em cartaz no dia da visita.

O MASP tem entrada gratuita às terças-feiras, durante o dia todo, e às quintas-feiras, a partir das 17h. Classificação livre. Acessível a deficientes, ar-condicionado.

***
Texto: Lia Hama na Tpm. Informações e fotos: Masp e Firstsite Lewis Garden.

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