Mural esquecido de 1954 é descoberto atrás de uma parede falsa na Oca

Uma fresta numa parede do subsolo da Oca, no parque Ibirapuera, deixa ver o que parece ser a batina de um padre no meio de faixas coloridas vibrantes. É o único pedaço visível, por enquanto, de um mural que ficou esquecido lá embaixo há mais de 60 anos. 

Quase um cenário de ficção científica quando surgiu num imenso gramado em 1954, o Ibirapuera e seus prédios desenhados por Oscar Niemeyer foram a materialização da utopia industrial paulista na época – a Oca, como pavilhão de exposições, foi aberta naquele ano com uma mostra que narrava episódios da história do país. 

Na exposição que marcou o quarto centenário da metrópole, enormes murais de Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Clóvis Graciano e do artista português Manuel Lapa mostravam as naus saindo de Portugal em direção ao Brasil, uma fazenda de café, as minas de ouro e uma procissão católica no campo.

Também havia outro, representando o que poderia ser a primeira missa realizada no país, que nunca mais viu a luz do dia. Era o único pintado não sobre placas de madeira, como o resto dos murais, mas direto na parede do pavilhão. 

Quando foram montar a mostra que celebra os 60 anos do Ibirapuera em cartaz desde o ano passado, funcionários do Museu da Cidade, órgão da prefeitura responsável pela Oca, descobriram que atrás de um muro falso do subsolo estava um quinto painel da famosa “Exposição de História de São Paulo”, evento que inaugurou o prédio. 

“Fomos tateando e descobrimos a parede falsa de madeira”, conta Afonso Luz, diretor do Museu da Cidade. “Foi incrível. Uma montadora da equipe disse que um mural tinha sido tampado ali.” 

Essa montadora, na verdade, também estava lá quando encobriram o mural. Ela contou à direção do museu que ele saiu de cena há 15 anos para a ambientação da mostra que comemorava os 500 anos do descobrimento do Brasil. 

Mesmo antes disso, no entanto, não foram encontrados registros visuais desse painel esquecido no subsolo. Funcionários da prefeitura chegaram a pensar que o mural escondido também fosse de Manuel Lapa, como o das caravelas, mas descartaram a hipótese quando puderam comparar o estilo da obra descoberta com o traço do artista português. 

“Há só uma referência textual dizendo que o Lapa teria pintado a primeira missa para a exposição”, conta Luz. “Mas isso não dá certeza se esse quadro é mesmo a primeira missa ou se houve confusão. Não creio que seja, já que as cores e composições na outra pintura não têm nada em comum com essa.”

Enquanto toda a parede falsa que esconde o mural não for removida, essas dúvidas vão persistir. A prefeitura deve iniciar o desmonte só agora porque esperava encontrar um patrocinador para restaurar os painéis antes de escancarar de vez o mural – um acordo foi fechado na semana passada com o Bank of America, que vai financiar as obras orçadas em R$ 400 mil.

Recuperação histórica 

Em estado precário, todos os murais precisam passar por uma readequação estrutural, para que não descasquem de seus suportes de madeira. No caso do mural no subsolo, a abertura no muro falso deixa ver manchas de mofo que precisarão ser removidas. 

“É uma recuperação da história do prédio”, resume Luz. “Naquela utopia da industrialização, esses murais foram feitos com compensado de madeira e tintas industriais que não resistiram bem.” 

Nalu de Medeiros, da supervisão de acervos da cidade, diz que o restauro vai permitir que os painéis não sofram mais danos a cada montagem – eles foram pintados sobre módulos soltos, como um grande quebra-cabeça. 

“Toda vez que eles são montados, acabam precisando de reparos”, diz Medeiros. “É um problema estrutural.” 

Depois do restauro, que a prefeitura tentará concluir até o final do ano, todos os painéis serão exibidos na Oca junto da obra recém-descoberta, reunindo esse conjunto pela primeira vez desde 1954. A ideia, aliás, é inaugurar a mostra no Ibirapuera no próximo 25 de janeiro, aniversário de São Paulo. 

“Esses painéis são históricos”, diz Luz. “Vamos poder ver como o modernismo se reconfigurou com o muralismo dessa época, com obras que contavam a história do país.”

Silas Martí na Ilustrada da Folha de S.Paulo.

 

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