Na periferia de São Paulo, uma artista baiana transforma histórias de migrantes em poesia

Esta jovem, que experimentou a fome, a migração, o preconceito e a violência, transformou em arte o que poderia ser o estopim para um descaminho na vida. “A gente tinha de se esconder debaixo da cama”, conta ela, ao lembrar do início do bairro Jardim Camargo Velho, no Itaim Paulista.

“No início, era uma ocupação. Chegamos em cerca de 50 famílias a um descampado e começamos a construir nossas casas. Hoje, estou fazendo o levantamento para saber quantas famílias existem aqui. Há muita flutuação de gente”, diz Jô, que é poeta, atriz, dançarina e autora do projeto multimídia “Mulheres em Travessia”, que consiste em viajar a regiões onde haja grupos de mulheres migrantes, conhecer suas histórias de vida, registrá-las em vídeos e fotos, e recontar tudo em forma de poesia. 

As histórias são transformadas em poemas que Jô declama em saraus em bairros da periferia de São Paulo. Os versos também ganham impressões em lambe-lambes para ocupar muros pela cidade. As fotos e os vídeos vão fazer parte de um documentário para a web.

O projeto tem início e uma meta – coletar histórias de mulheres migrantes de várias partes do Brasil e América Latina (quiçá de outras partes do mundo) – mas não tem tamanho. 

A atriz começou o projeto este ano, entrevistando 12 moradoras do próprio bairro. Agora, Jô está no Peru, para onde viajou nesta madrugada, para participar de um encontro de poetry slam ou poesia falada em Lima, no sábado, e visitar uma vila de pescadores em Prucusana.

Campeonato de slam

O campeonato de slam será na Casa de la Literatura Peruana. O termo slam tem origem em poetry slam, que, traduzindo livremente, quer dizer batida de poesia. Poetry slams </CF>são encontros de poesia falada e performática, onde um júri popular dá nota aos slammers (que são os poetas). 

“Eu ainda não me identifico muito com o termo slam, prefiro poeta”, opina Jô, que está bancando quase tudo nessa viagem, pois conta com o apoio do Centro Cultural Escape e do ator e produtor Ricardo Delgado Ayala – a quem conheceu num festival de teatro em Lima e que lhe deu a ideia de entrevistar as mulheres de Prucusana.

Jô vai começar a editar e a montar a série documental de “Mulheres em Travessia” quando voltar do Peru, daqui a 30 dias. De Prucusana, ela pretende colher histórias das mulheres que se mudaram para lá a fim de ficar mais perto de seus maridos pescadores artesanais, e contar tais histórias em diferentes locais – levando-as para outras comunidades de outras realidades – e plataformas: vídeo, poesia, intervenção artística e urbana.

“Quero resgatar a memória das moradoras que lá residem. O Centro Cultural Escape vai me receber em uma residência para artistas, já que desenvolve também atividades sociais e culturais. Mas estou fazendo o projeto na raça, sem qualquer recurso financeiro, mas com muito amor e vontade de recontar estas narrativas”.

O próximo país que ela planeja visitar é Colômbia. “Estamos no início das conversas”. Assim, o projeto vai crescendo numa forma de mapeamento da identidade de grupos de mulheres migrantes por região. “Dependendo do local, há algumas coisas que as identificam como grupo. Aqui em meu bairro, a maioria das entrevistadas é negra, nordestina e empregada doméstica”, ressalta.

Jô faz uma poesia de resistência: “Falo sobre mulheres negras e de periferia, a falta de condições sociais, o machismo. Minha poesia tem referência do rap e a minha declamação é muito ritmada e performática, pois venho da dança e do teatro”, conta ela, que começou a se levar a sério na poesia há cerca de cinco anos, participando de saraus (o primeiro foi “O Que Dizem os Zumbidos”). Hoje, ela é dona do próprio sarau, o Pretas Peri, e integra o coletivo Sarau das Pretas, que viaja por várias partes do País. Acompanhe o projeto “Mulheres em Travessia” em sua página no Facebook.

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Por Carlota Cafieiro em A Tribuna.

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