No Dia das Mães, Wilson descalço nas calçadas

Delicia, dia das mães com irmãs, mãe, filhos, sobrinhos, e Kiko, o cachorro anfitrião do pedaço. Na calçada da São Luís, um menino emparelhou comigo, na velocidade do meu passo. Era franzino, muito sujo, descalço, com a coluna pendendo pra frente, sem sustentação, sem sustento.

Disse: dona, não precisa ter medo, não vou te pedir dinheiro, quero alguma coisa pra comer…eu disse que se tivesse medo não estaria conversando com ele…Ele disse, perigoso são os homens de Brasília, com gravatas.

Concordei imediatamente e ofereci um lanche. Mostrei que tinha na bolsa uma nota de dez e que precisava apanhar o metro, pois o bilhete estava descarregado. Ele disse: é, hoje em dia todo mundo anda com plástico, com cartão de plástico e não tem dinheiro pra dar. Eu disse que ninguém queria dar a grana pra ele por que ele iria comprar pedra. Falei que daria (sem pensar nisso), e perguntei se ele fumava mesmo já tendo certeza da resposta. Ele disse que estava no vício havia dois anos. Que o barato era rápido por isso usava muito. Disse que o ex-marido o introduziu nesse lance, e que já chegaram a gastar de cara, R$ 25.000 em pedra. É pedra pra burro!

Perguntou se eu tinha filhos, eu disse que sim. Dois. Perguntei quantos anos ele tinha. Ele estava na dúvida se eram 23 ou 22. Se apresentou, seu nome era Wilson; prazer o meu é Marcia. Fomos caminhando até a padaria do Copan. Eu iria comprar um lanche e pagar com cartão. Perguntei sobre sua mãe, e o que ele faria da vida se estivesse fora do vício. Perguntei se ele fazia planos…

Ele me disse que estava lúcido naquele dia e que precisava comer. Disse que queria estudar e fazer faculdade, mas que não sabia se conseguiria sair da rua, do vício. Perguntei se ele já havia feito algum tratamento nessas casas de acolhida. Disse que já foi internado duas vezes… Sugeri que aproveitasse aquele dia de lucidez, e que se dirigisse pela terceira vez para uma acolhida. Ele abriu um sorriso e disse que queria tentar… Concluímos que ele era jovem e tinha planos. Morrer não valia a pena, embora fosse muito difícil largar a rua e a pedra. Ele perguntou se eu achava que ele conseguiria. Eu disse que ele iria sofrer, tremer, pirar e querer desistir. Mas afirmei que ele podia. Que eu botava fé nele. Que ele devia botar fé nessa cartada. 

A padaria do Copan estava fechada. Conversamos uns 40 minutos andando na rua como mãe e filho. As pessoas nos olhavam achando estranho a desenvoltura daquela junção, e pensando em me defender do menino sujo. Fui com ele até a praça da República, dei a ele os únicos dez contos da carteira, a nota “filha única”, e ele disse que comeria um pastel. Ele abriu um sorriso e demos um abraço. E lá se foi o Wilson descalço nas calçadas andadas pelos saltos das mães e as solas dos filhos.

***
Márcia Fukelmann é proprietária de Consultoria Gastronômica com seu nome.

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