Nosso gringo no Instituto Acaia (final): uma ponte para superar a diferença social ou a obra prima única?

Duas das garotinhas entraram em uma discussão por causa de algo e uma delas desabou em um canto em lágrimas. Uma professora observou, mas não interferiu. Depois de alguns minutos, a primeira menina pegou uma flor de um arbusto próximo, foi até a menina que chorava e a deu junto com um grande abraço. E lá foram elas para se juntarem aos outros. A resolução pacífica de conflitos, comentou a professora, é um aspecto importante do ambiente do Atelier Escola.

Por mais que o atelier escola possa parecer não estruturado à primeira vista, há um método bem planejado no caos desordenado. No sentido tradicional, não existem ‘aulas’, apenas ‘workshops’. Não se trata de uma ‘escola’, mas de uma ‘atelier’ com o elemento atelier sempre dominante. Elisa Bracher, fundadora, diretora e a inspiração por trás da escola explica: “A forma é oficinas, artes, carpintaria, música, vídeo entre muitas outras e o coordenador é a oficina dos sentimentos. A ideia é que o trabalho e as funções complementem umas às outras. As rotinas criadas e a organização das equipes funcionam como uma estrutura que favorece a simbolização, a estrutura emocional e a transmissão do conhecimento”.

Dentro dessa estrutura aparentemente frouxa, existem obrigações, como as Oficinas de Estudo, onde jovens estudantes alunos do ensino médio têm aulas de matemática, prática da linguagem e literatura. A “escola pública”, disse um dos alunos, “é um reflexo da cultura prisional em que vivemos, grades nas janelas e monitores armados. Aqui somos livres para aprender”.

Embora o Jardim de Infância com três turmas e um total de 50 crianças entre 3 e 5 anos exija o cuidado pessoal, a alimentação com outros à mesa e a organização de seus pertences, as crianças participam de oficinas regulares de música, artes e leitura na biblioteca. É importante ressaltar que elas recebem café da manhã, almoço e jantar, além de dois lanches e dois banhos por dia, fundamentais para a saúde e o bem-estar.

“A nossa meta para os alunos do primeiro ano, diz Elisa, era garantir que todas as crianças fossem alfabetizadas no final do primeiro ano letivo”. Apenas um, do grupo de 19 meninos e meninas conseguia escrever seu próprio nome. Onde a alfabetização e a aritmética são cruciais para avançar, o fato de que, no final do ano, todas as crianças são alfabetizadas, conseguem escrever seu próprio nome, produzir textos curtos, ler poemas, história em quadrinhos e de recortes” foi um triunfo.Estima-se que cada aluno custa cerca de R$ 4.000 por mês, dez vezes mais do que o valor repassado pelo estado às escolas públicas. Foto: Divulgação.

Chegar lá não foi fácil. Questões sociais e raciais, violência simbólica e física, bem como experiências de discriminação racial e a suposição de fracasso foram todas questões que interferem no processo de aprendizagem e devem ser abordadas e superadas com sensibilidade. Com um total de 170 alunos do Jardim de Infância e da 1ª à 6ª séries, somando a cada ano mais 40 jovens que frequentam o Atelier Escola depois da escola regular, o que antes parecia um espaço vasto já não existe mais. Uma forma de expandir as atividades tem sido a abertura das “escolas barracão”. Estas escolas de uma sala estão abertas para 50 alunos na Favela da Linha pela manhã e na Favela do Nove pela tarde. Elas estão situadas perto do coração da favela. Observar as crianças arrumando seus projetos de trabalho, colocando uma toalha de mesa em suas mesas de trabalho e fazendo fila para serem servidas por uma refeição quente, tornaram-se parte regular da vida da favela e uma declaração diária dos objetivos da fundadora.

O Ateliê Acaia atende atualmente mais de 250 participantes em suas diversas atividades. Foto: Divulgação.

A entrada no Atelier Escola é obviamente limitada por seu tamanho e recursos mas é aceita e muito valorizada na favela. O envolvimento da família do aluno desempenha um papel essencial na admissão. Ninguém é recusado, mas para muitos é dito que devem esperar até que um lugar se abra. O Ateliê Acaia atende atualmente mais de 250 participantes em suas diversas atividades. Não há taxas: a escola é gratuita. Graças a uma generosa doação de filantropos e investidores privados, a escola conseguiu cumprir seu orçamento anual de R$ 9,4 milhões. Estima-se que cada aluno custe cerca de R$ 4.000 por mês, dez vezes mais do que o valor repassado pelo estado às escolas públicas. Em comparação, em 2011, o orçamento do *Programa Federal de Alimentação Escolar (PNAE) para alimentação sozinha foi em média de apenas R$ 71 por aluno por ano. Experimente alimentar um jovem faminto com alimentos saudáveis. 

Graças a uma generosa doação de filantropos e investidores privados, a escola conseguiu cumprir seu orçamento anual de R$ 9,4 milhões. Foto: Divulgação.

Pela primeira vez este ano, e de acordo com a missão da Elisa de misturar as culturas, um pequeno número de crianças que não são da favela se tornou aluno da escola, pagando taxas dentro da possibilidade dos recursos da família. Se for bem sucedido, o plano é deixar a proporção crescer ao longo do tempo para cerca de um terço dos admitidos.

Imagem: Reprodução.

Por mais impressionante que seja e apesar de todo o seu sucesso, é preciso fazer a pergunta: se o Ateliê Acaia é um modelo que pode ser expandido e copiado e, mais importante ainda, dar um exemplo de como a superação da divisão cultural é realizável e como a marginalização de uma grande parte da comunidade brasileira pode ser revertida? Ou é uma única obra-prima artística que, por mais brilhante que seja, será destinada a ficar sozinha?

[Nota do autor: Este artigo é o terceiro e último artigo da série analisando o “Instituto Acaia, um esforço para superar a divisão social do Brasil.”]

Leia também: Nosso gringo e o Instituto Acaia (parte 1), que trabalha para superar a divisão social do Brasil e 

* Fonte: Nutrição em Saúde Pública: Página 1: O programa brasileiro de alimentação escolar: um exemplo de um programa integrado de apoio à segurança alimentar e nutricional

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Peter Rosenwald mora em São Paulo e combina sua ocupação como estrategista de marketing para grandes empresas brasileiras e internacionais. Tem também carreira em jornalismo onde atuou por dezessete anos como crítico sênior de dança e música do ‘The Wall Street Journal’. Escreve toda semana no São Paulo São.

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