Nosso gringo Peter foi conferir o novo balé das ‘flores selvagens’ de Paraisópolis

Uma das coisas verdadeiramente fascinantes sobre flores silvestres é que, por mais difícil que seja o percurso, elas sempre encontram seu caminho até o sol.

Pensei nisso outro dia enquanto assistia a um esplêndido ensaio de ‘Paraisopolizar’, um novo espetáculo de dança clássica, moderna e contemporânea de vários coreógrafos que será apresentado gratuitamente no Auditório Ibirapuera projetado por Oscar Niemeyer, às 19h do dia 23 de novembro por mais de 130 alunos do Ballet Paraisópolis, desde 2012 uma florescente escola de balé e dança gratuita no centro da segunda maior favela de São Paulo. 

Foto: Edu Cesar.Como, pergunta-se, os anos necessários de trabalho árduo e disciplina para se tornar um bailarino podem atrair os 200 atuais alunos e uma lista de espera para entrar, dez vezes maior? Como, jovens de 8 a 17 anos de uma comunidade favelada com mais de 100 mil moradores, poderiam destravar a energia positiva para chegar prontamente e aparecerem arrumados e prontos para aulas e ensaios árduos?

Foto: LeandroJusten / Brazil Foundation.E como esses estudantes poderiam se tornar bailarinos de primeira classe, ganhadores de prêmios, incluindo o de melhor bailarino no Festival de Dança de Joinville deste ano e, por exemplo, um convite para um programa especial de verão no famoso American Ballet Theater em Nova York, uma vitrine para os melhores jovens bailarinos do mundo?

Certamente muito do crédito vai para a fundadora da escola, a bailarina, a professora Monica Tarragó. Contra probabilidades extremamente difíceis, o foco de Mônica Tarragó. Foto: Fotos Públicas.Mônica permanece: “transformar sonhos em realidade”. Profundamente sensível à desigualdade e vulnerabilidade das crianças e jovens da favela, ela decidiu tomar a iniciativa e fazer algo por eles, não apenas para  transforma-los em dançarinos.

Como ela diz: “O Ballet Paraisópolis nasceu do desejo de transformar a vida das famílias e levar arte, educação e cultura para a região. Acreditamos que através do ensino da dança clássica e contemporânea sempre incentivaremos nossos alunos a buscar melhores oportunidades de vida”. 

A energia e o talento visíveis no ensaio, a logística de conseguir 27 cenas de “Paraisopolizar” com até três rápidas trocas de figurino para cada bailarino, demonstram seu sucesso. A performance também beneficia da inspiração de Jum Nakao como diretor artístico e Luis Arrieta como professor/coreógrafo, que também atuará como bailarino de destaque.

O estúdio dos ensaios, recentemente tornado utilizável pelo trabalho de construção de fim de semana por professores e amigos é muito pequeno para fazer caber todo o elenco, tendo sempre algum grupo de dançarinos se movendo em direção ao centro enquanto outros seguem para o lado. Surpreendentemente, não se viu um olhar irritado de um dançarino para outro quando as fantasias ou adereços se misturavam ou quando eles esbarravam uns nos outros para mudar de roupa no espaço minúsculo.

Foto: Alexandre Battibugli.

Pelo contrário, havia sorrisos e uma camaradagem calorosa que envolveu as diversas faixas etárias. Um dos dançarinos mais velhos usou uma pausa para limpar a pista de dança especial. Como Mônica deixou claro desde o início, esta escola e as atividades não pertencem a ninguém, mas a eles. É o espaço deles, talvez uma alternativa segura às casas da favela, mas de qualquer forma, algo precioso para cada um deles. 

É por isso que se vê os dançarinos cuidando das instalações orgulhosamente, vestindo roupas de dança e de rua fornecidas gratuitamente pela escola, que sempre exibem o logotipo atraente do Ballet Paraisópolis, uma visão familiar nas ruas da favela. Eles têm todo o direito de se orgulhar de suas realizações.

Imagine a emoção e o entusiasmo dos 12 dançarinos, muitos dos quais nunca haviam saído de São Paulo, que viajaram para Nova York por uma semana em outubro para se apresentar no jantar anual de arrecadação de fundos da Fundação Brasil no Hotel Plaza, ganhando muitos elogios e levando o público a aplaudí-los de pé, o que não é comum em Nova York.

Durante a semana na ‘Big Apple’, eles tiveram aulas com algumas das principais companhias de balé do mundo e foram recebidos com elogios. Para muitos, foi a viagem de uma vida. Para outros era um novo desafio, ser bom o suficiente para voltar e estar no centro do mundo da dança.

Foto: LS Nogueira / Divulgação.

“Paraisopolizar” nunca foi montada antes. É um trabalho único, uma chance de olhar para a vida desses jovens dançarinos e suas carreiras esperançosas e o melhor de tudo, uma chance de experimentar a beleza dessas flores selvagens.

***
Peter Rosenwald mora em São Paulo e combina sua ocupação como estrategista de marketing para grandes empresas brasileiras e internacionais. Tem também carreira em jornalismo onde atuou por dezessete anos como crítico sênior de dança e música do ‘The Wall Street Journal’.

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