Chamado no jargão despersonalizador da mídia de “aposentado”, João Batista da Silva morador da região há anos, ex-auxiliar de enfermagem, veio a público e disse que estava cansado da bagunça dos turistas, fotógrafos, visitantes e até músicos durante o dia, mas principalmente à noite, chamou seu filho e juntos pintaram a parede.
Candidamente, revelou que a cor escolhida não guardava relação nenhuma com o cinza que caracterizou a ação da prefeitura na 23 de maio: “eu ia comprar o marrom, mas o vendedor sugeriu cinza chumbo, para cobrir melhor”. Superada a metáfora da cor, a brincadeira passou a ser a óbvia porém pouco inspirada associação do seu nome com o do prefeito, e ele foi chamado de “João” , despersonalizando-o ainda mais.
A ação privada desembocou numa reação pública. Seu muro, afinal, é parte da paisagem urbana e, como tal, pensarão alguns, pertencente a todos. No mesmo dia, seu novo muro cinza chumbo foi pichado e repichado. Numa reviravolta inesperada, revelou-se depois que ele mantinha relações cordiais com os grafiteiros há anos. Um deles, Binho Ribeiro, numa entrevista de uma racionalidade tocante e exemplar explicou que, mesmo triste por ter sua obra apagada, entendia e defendia a ação do dono do muro que exibia sua obra.
O prefeito regional, instado pelo prefeito da cidade entrou em contato. Aparentemente satisfeito com a atenção dada ao seu problema, João Batista declarou que vai aceitar a pintura de volta, mas exorta os turistas a pensarem no seu problema. “Todo mundo ganha dinheiro com a atenção dada ao beco”, diz ele, o que justifica pensar em alternativas em que outros não percam.
A história é muito boa e revela de modo exemplar o conflito inerente à ocupação do espaço público. Não há ocupação sem conflito e não há resolução do conflito sem mediação, principalmente do poder público.
Na Roosevelt, skatistas disputam espaço com mães, cachorros e colegiais. No carnaval, moradores querem sair de casa sem pisar numa poça de xixi. No beco do Batman, João quer dormir tranqüilo à noite.
O singelo desejo privado não parecia ter encontrado interlocução. Por alguma razão, João Batista não havia sentido capacidade de influenciar a prefeitura a dar atenção ao seu problema. É possível que uma conversa pudesse ter sido suficiente para reduzir a luz do poste que incomoda. Talvez não. A ação mais incisiva obteve a repercussão que ele desejava, mas talvez a reação tenha sido mais violenta do que o esperado.
João Batista foi corajoso ao gastar 200 reais na tinta e cobrir o muro à luz do dia. Enfrentou com aparente tranqüilidade a onda midiática que se formou imediatamente.
Esperamos, como sociedade, que amanhã, haja autorização para uma nova pintura embelezando muro, mas também exortamos os visitantes a diminuir um pouco o volume da gritaria, se abster de tocar música alta e evitar visitas noturnas.
Hoje sabemos que o dono do muro que encanta multidões também tem nome, precisa dormir e investiu 200 reais e muita coragem para que nos déssemos conta disso.
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Mauro Calliari é administrador de empresas, mestre em urbanismo e consultor organizacional. *Artigo publicado originalmente no blog Caminhadas Urbanas do Estadão.