Minha mãe ainda não dirigia. Íamos de taxi e saltávamos na frente do Teatro Municipal. Seguia de mãos dadas com ela, que ia falando no percurso sobre o que eu precisava para aquela temporada. Era coisa simples, shorts, camiseta, biquíni, chapéu de praia. Antes de comprar dávamos um giro pelas lojas próximas. Primeiro o Mappin, com aquele elevador enorme que o ascensorista ia declamando o que havia em cada andar. A missão era dupla, ou melhor, tripla, pois tinha que comprar para mim, para meu irmão e para ela que, novidadeira, sempre descobria algum maiô diferente ou saída de praia, como se dizia naquela época.
Como minha avó paterna, a vó Gisela, morava nos Campos Elíseos – assim chamavam a Barra Funda na ocasião –, telefonávamos antes, para ela vir nos encontrar. Não, ela não ia para praia junto, e o que gostava mesmo era de ver as compras na hora do chá num lugar que achava mágico: a Confeitaria Vienense, no primeiro andar de um prédio na Rua Barão de Itapetininga.
Este salão de chá era incrível, meio fin du siècle, ficava anestesiada com a música ao vivo de um piano, um violino e um bandonéon. Na mesa, salgadinhos divinos, bolos e tortas de babar, e adorava tomar sorvete numa tacinha, para acompanhar, já que o chá ficava para minha mãe e minha avó. Para a última, era um dia de passeio especial e ela vinha toda arrumadinha, usando luvas, coisa que eu achava lindo. Vó Gisela tinha luvas de várias cores para combinar com as roupas. Ela era magrinha, com a pele alva e os olhos muito azuis, uma beleza calma, linda. Já minha mãe tinha seu cabelo natural, muito preto, que penteava no estilo gatinho ou pagem, como ela falava, nos anos 60, e sempre foi bonitona, com as pernas grossas, coisa que nunca gostou.
Ficávamos lanchando até tarde e neste dia nem jantávamos, tal era a comilança na Vienense. Esse ritual fazíamos todos os anos, até 1965. Dando um Google na história da Vienense fiquei sabendo que enquanto as famílias iam tomar chá ao cair da tarde, à noitinha era ponto de encontro da intelectualidade da época, e onde grupos de esquerda se encontravam. O mesmo prédio abrigou Guilherme de Almeida, o Príncipe dos Poetas e o famoso curso de danças de salão da elite paulistana, que era da Madame Possas Leitão.
Após o lanche, descíamos pelo elevador com porta pantográfica, despedia-me de minha avó e pegávamos a lotação, que era o que é hoje o Uber Pool. Depois dessas compras de verão era aguardar o Natal para abrir os pacotes das roupas e brinquedos, surpresa que tanto aguardava. Mas isto é uma outra história.
Marina Bueno Cardoso, jornalista com passagens pelos principais veículos da impresa, publicou em 2015 “Petit-Fours na Cracolândia” pela Editora Patuá e “Descansar o Mundo”, Editora Penalux – 2018, com crônicas publicadas no São Paulo São.