O nojo e a gordura do boi

Mas aquelas excelentes batatas fritas belgas, feitas à maneira tradicional ainda hoje em alguns estabelecimentos de Bruxelas, são fritas em sebo. Da mesma forma, a boa e tradicional massa de empanadas argentinas é feita ainda hoje com sebo. Muitos pratos da cozinha criolla sul-americana são feitos com sebo… 

E se você pega um pote de sorvete Kibon e lê lá: “gordura animal”, o que você entende por isso? Um problema para judeus ortodoxos que gostam de sorvete Kibon…mas o sebo será um alívio.

 
“Sebo” é a “banha de porco” do boi, se nos permitirmos a licença poética. Mas umas das funções do poder público é esconder as palavras populares inconvenientes. A gordura de origem bovina sofre a distinção entre os termos “gordura” e “sebo”, pois entre as normas do RIISPOA gordura é o produto utilizado na alimentação humana e sebo não pode ser utilizado. É a mesma gordura para outras utilizações. Como a graxa. Mas a sabedoria popular insiste: o sujeito encosta a barriga no balcão e pede “um café e um pão na chapa na graxa!” – quer dizer, com margarina.

 
Margarina era, originalmente, sebo. Em 1869, o Dr. Mège-Mouriès, observou que as vacas produziam mais ou menos leite dependendo da dieta, e imaginou produzir essa transformação artificialmente, derivando manteiga em quantidade, extraída diretamente da gordura da vaca ou do boi. Inventou um atalho e obteve licença para produzir, então, o que chamou margarina e com isso ganhou um concurso proposto pelo governo napoleônico para se inventar uma manteiga mais barata. Com o tempo, misturando-a a 20-30% de óleo de amendoim, chegou a um produto considerado de boa qualidade. Hoje, as mesmas pessoas que tem nojo da palavra sebo, cozinham de bom grado com margarina em vez de manteiga. Frita-se, faz-se bolo, passa-se no pão – como na velha França se passava banha de porco ou sebo no pão. 
 
Em 1880 a França já consumia 25 milhões de quilos de margarina! Os agricultores reagiram a essa perda de mercado da manteiga e logo classificaram a margarina como “falsificação”, até que, em 1887,  e depois em 1897, foram promulgadas leis definindo manteiga, margarina e uma solução de compromisso, uma mistura entre ambas: a beurrine – a mesma que você hoje compra no Pão de Açucar, da marca francesa President, como sendo uma manteiga a preço “razoável”. Um detalhe, o Dr. Mège-Mauriès foi o mesmo sujeito que descobriu o princípio da saponificação a partir da gordura animal. Sabão e margarina. Um gênio da química. 
 
Mas por que você tem tanto nojo de sebo? Talvez porque, na década de 1970, a indústria de óleos vegetais ganhou poder e notoriedade ao propagar os benefícios das gorduras poli-insaturadas, convencendo as pessoas a trocarem a banha de porco e o sebo por óleos de coisas misteriosas para o consumidor, como a C.A.N.O.L.A.  E se é fato que as gorduras saturadas como as do sebo e da banha causam problemas como as doenças cardíacas, então porque que as doenças do coração atingem números alarmantes hoje, quando quase ninguém mais usa o sebo e a banha? 
 
 
Em casa trabalhou uma moça que fritava seu beef pordeep fry, e me ocorreu perguntar quanto de óleo ela consumia por mês em sua casa (para si, o marido e um filho)? A resposta: 6 a 7 litros por mês! Há muitas regiões no Brasil onde cozinhar carne é sinônimo de fritar. Aferventar e fritar. 
 
Então, agora que se descriminalizou o uso da banha de porco (embora o animal seja chamado de “suino”, forçando uma confusão com o javali) que tal descriminalizar o sebo bovino?
 
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Carlos Alberto Dória, sociólogo e conselheiro do São Paulo São, tem vários livros publicados sobre sociologia da alimentação. Mantém e edita o blog e-BocaLivre.

 

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