O que é uma cidade de 15 minutos e por que ela virou desejo na pandemia

Nosso espaço vivencial diminuiu. Ao evitar pegar transporte público ou mesmo carros por aplicativo, quem não precisou trabalhar fora e não tem veículo próprio viu suas opções de saída de casa reduzidas ao bairro em que mora. Com a reabertura, os parques, os restaurantes e os espaços de lazer em geral também entraram nessa conta.

Agora imagine ter acesso a tudo isso, com qualidade, a uma distância caminhável da sua casa. Essa é a ideia por trás do conceito de cidades compactas ou, como batizado pelo pesquisador Carlos Moreno, da Universidade Paris 1 Panthéon Sorbonne, cidades de 15 minutos.

15 minutos para quê? 15 minutos para chegar a pé ou de bicicleta a qualquer serviço necessário no dia a dia de um cidadão. Supermercado, restaurante, parque, hospital, escola, espaço de trabalho, e por aí vai. A ideia é deixar um pouco de lado o conceito de um único centro e assumir um planejamento policêntrico. E esse não é um pensamento novo, diz Victor Andrade, professor da pós-graduação em urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenador do Laboratório de Mobilidade Sustentável (Labmob) da instituição e organizador do livro Cidades de Pedestres (disponível gratuitamente). “Isso já vem desde uma discussão da década de 1960, aproximadamente. Não é de forma nenhuma uma discussão recente, mas ela emerge com muita força nessa tentativa de reabertura, neste momento de pandemia, com ações para que a gente tenha deslocamentos mais seguros”, diz.

Como se implementa? Tanto de forma natural quanto com decisões ativas do poder público, afirma Benamy Turkienicz, professor do Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e coordenador do SIMLAB (Laboratório para Simulação e Modelagem em Arquitetura e Urbanismo) da instituição. “Em primeiro lugar se desenvolve de forma espontânea, em que você, sabendo o tempo de deslocamento até o seu local de trabalho, escolhe por exemplo viver perto”, diz o professor ao TAB. “Por outro lado, faz parte também do planejamento que a cidade possa oferecer incentivos a comerciantes e a empreendedores para melhorar o espaço público.” Andrade afirma que um dos primeiros passos é incentivar a moradia próxima aos centros. “O centro da cidade já tem postos de trabalho, tem serviços, tem lazer, tem cultura, tem instituições de educação, só está faltando mais moradia. A gente tem que atrair mais pessoas para esses locais”, explica.

Simulação de um ambiente para um 'cidade em 15 minutos'. Ilustração Celine Orsingher 640x310

Me dá um exemplo. Segundo o professor da UFRGS, existem cidades que cresceram naturalmente dessa forma há séculos. “Londres foi uma delas. Lá tem Hampstead, Westminster, Chelsea, esses vários bairros que, na origem, eram pequenas cidades costuradas por um sistema chamado de high streets, as vias altas”, relata Turkienicz ao TAB. Já Andrade usa Copenhagen, capital da Dinamarca, onde ele mesmo morou, como exemplo. Lá, o poder público pensa ativamente no conceito de cidade compacta. “É lei na cidade que, da porta da residência de todo o cidadão, ele tenha acesso caminhável até áreas de lazer, áreas de esporte, escola”, conta. Melbourne, na Austrália, também se aplica à ideia, mas com uma folguinha: lá, o apelido é cidade de 20 minutos. Por fim, Paris, que popularizou o nome cidade de 15 minutos com a reeleição de Hidalgo à prefeitura, também quer entrar na lista. A prefeita apropriou o conceito em suas promessas.

Conceito da cidade em 20 minutos de Melbourne, Austrália. Imagem: Reprodução.E aqui no Brasil? Não encontramos exemplos de cidades brasileiras que oficialmente usem o título. Mas isso não significa que não haja iniciativas nesse sentido. Andrade e Turkienicz citam o plano diretor de São Paulo como exemplo. Incentivos a fachadas ativas (ou seja, nada daqueles grandes muros que se estendem por uma quadra inteira, e sim portas, vitrines, entradas que aumentem a permeabilidade entre o espaço público e o privado), incentivo à moradia no centro e outras iniciativas já estão em curso, mesmo que sem uma diretriz nacional. “Esses incentivos ficariam mais claros, mais explicitados, se no Brasil tivéssemos uma legislação que fosse um pouco mais detalhada do que a legislação dos planos diretores”, pondera o professor da UFRGS. Ele aponta o Projeto de Lei n° 5680, de 2019, que está em tramitação, como um passo nesse sentido.

Será que eu já não moro em uma cidade compacta? Pode ser. Ambos os professores afirmam que algumas regiões, principalmente das grandes metrópoles brasileiras, já são cidades de 15 minutos. Quem mora em bairros centrais de São Paulo — Santa Cecília, Republica, Bela Vista — já tem boa parte dos serviços a distâncias caminháveis ou pedaláveis de casa. Além disso, há grande quantidade de escritórios e outros pontos de trabalho por ali. “Muita gente se deu conta de que mora nesse conceito de cidade compacta durante a pandemia, quando passou ao home office”, constata Turkienicz, “e isso muda nossa relação com o espaço urbano. Dar-se conta dessa circunstância vai fazer com que tu seja mais exigente em relação àqueles equipamentos que estão mais perto da tua casa”, diz o professor.

Santa Cecília (foto), Republica, Bela Vista — já tem boa parte dos serviços a distâncias caminháveis ou pedaláveis de casa. Foto: Getty Images.“Como o trabalho tomava muito tempo de deslocamento e era distante, muitas vezes tu usufruía desses equipamentos perto do trabalho.” Por equipamentos, ele que dizer restaurantes, cafés, supermercados, academias e outros espaços. Com a pandemia, começamos a frequentá-los próximos de nossas residências — o que incentiva o comércio local e pode ajudar a melhorá-lo, constata o professor. Quais os benefícios disso tudo? Com a praticidade de ter todos os serviços necessários pertinho de casa, as cidades compactas tendem a ser menos carrocêntricas. E aí é fácil enumerar os pontos positivos: menos poluição, menos tempo no trânsito, menos gasto, menos estresse… Para isso, os especialistas lembram que é preciso investir em melhorar os espaços para os pedestres e ciclistas, além da malha de transporte público, que interliga os diversos centros. Melhora a mobilidade, e melhora também o relacionamento interpessoal, diz Turkienicz. “Começamos a desfrutar de uma coisa que não tinha antes: conhecer os vizinhos. Isso começa a estabelecer um potencial de compartilhamento de ideias também, inclusive sobre o mesmo espaço compartilhado”, afirma o professor. Outro ponto positivo é o ganho em saúde, ressalta Andrade. “A gente está falando de uma cidade saudável, em que se incentiva a mobilidade ativa. Pensando que a população brasileira está envelhecendo muito rápido e passando por uma tendência muito forte de obesidade, a gente precisa que essas pessoas se movimentem mais. E o impacto é sentido na saúde física e mental”, afirma.

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Luiza Pollo no UOL / Colaboração para o TAB.

 

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